Direção: Manoel de Oliveira
Roteiro: Manoel de Oliveira, adaptação de conto de Eça de Queirós
Elenco: Ricardo Trêpa, Catarina Wallenstein, Diogo Dória, Júlia Buisel, Leonor Silveira, Filipe Vargas, Miguel Seabra, Rogério Samora
Fotografia: Sabine Lancelint
Produção: Luis Miñarro, Maria João Mayer, François d’Artemare
Distribuidora: Filmes da Mostra
Duração: 65 minutos
País: Portugal/ Espanha/ França
Ano: 2009
COTAÇÃO: BOM
Manoel de Oliveira participa da nata do cinema internacional com o diferencial de ser o mais velho diretor da história em plena atividade com uma saudável vida mental. Ele tem 102 anos. A sua estreia de longa-metragem aconteceu no ano de 1942 com “Aniki Bóbó”, adaptado do conto “Os Meninos Milionários”, de Rodrigues de Freitas, que aborda aventuras e amores de certos rapazes da cidade do Porto. É uma viagem à infância e à memória pelo olhar da camera. Desde então pretende temas históricos e conserva o estilo único de filmar. O diretor consegue captar a essência humanizada dos seres humanos e transpassa à trama. Seus personagens jogam com o maniqueísmo, respeitando as particularidades que formam o caráter e a individualidade subjetiva. Em seus últimos trabalhos, Manoel deseja chegar mais próximo do universo surrealista (no tema) e simétrico (na imagem) do cineasta espanhol, nacionalizado mexicano, Luis Buñuel.
“Singularidades de Uma Rapariga Loura” é o seu penúltimo, já que possui um novo “O estranho caso de Angélica”. O filme em questão é uma adaptação do conto homônimo do escritor português Eça de Queiroz, de 1874, que é o primeiro de cunho realista em português. A narrativa é analepse, tendo o narrador, por sua vontade, interrompendo a ordem cronológica ou linear dos fatos da história para fazer uma retrospectiva e relatar, com mais detalhes, acontecimentos passados. Numa viagem de comboio para o Algarve, Macário (Ricardo Trêpa) conta as atribulações da sua vida amorosa a uma desconhecida senhora. Mal entra para o seu primeiro emprego, um lugar de contador no armazém em Lisboa do seu tio Francisco (Diogo Dória), apaixona-se perdidamente pela moça loira que vive na casa do outro lado da rua, Luísa Vilaça.
Conhece-a e quer de imediato casar com ela. O tio discorda, despede-o e expulsa-o de casa. Uma das características é o tempo parado, que se deixa acontecer, retratado cinematograficamente por planos longos e únicos. Logo de início percebemos isso. Um fiscal confere tickets dos passageiros. A camera estática e sem cortes conduz até o término da ação. Assim, permite ao espectador que mergulhe na calmaria da trama apresentada e nos detalhes banais do seu cotidiano e do comportamento de seus personagens, como abrir a janela e sentar-se à escrivaninha. É um grande teatro filmado. Em muitos momentos, os diálogos soam artificiais e estranhos. Este objetivado a fim de indicar a direção da história.
A recorrência dos silêncios, esperas, olhares perdidos indica o gênero autoral, sobressaindo a ingenuidade melancólica e a pessoalidade quase infantil. Macário vê o objeto de desejo, que se comporta como uma referência a “Lolita”. A pureza do momento, que não busca o sexo propriamente dito, mostra-se pelo leque chinês, um presente. O filme é recheado de metáforas e simbolismos, principalmente pelos ângulos que querem dizer mais do que uma simples experimentação estética. “Um lindo leque”, ele diz a curiosa ouvinte. A moça loira desperta a atenção e obsessão dele, que aprende sobre seus hábitos e “singularidades”. O diretor sempre inclui explicações históricas em seus filmes.
Neste caso, há a homenagem ao escritor adaptado tendo um guia de turismo fornecendo informações num museu, complementado por um sarau. O amadorismo é latente, quase documental. “A missão do mundo é existir claramente”, diz-se. Um jogo acontece paralelamente gerando reações exageradas e surreais. A estranheza torna-se quase uma personagem, como o tio bipolar, mal-educado e egocêntrico (que percebemos no final que só deseja proteger seu sobrinho das amarguras da vida). A cena em que Macário beija a moça, o foco da cena está no pé levantado, aludindo aos clichês (românticos) de um filme de amor.
Há resignação, desejo cego, comodismo. Retrata-se uma época com tempo de acontecer, que não precisa correr para ser. Apenas é pelo que se vive. Concluindo, é um filme que busca o elemento surreal e estranho a fim de embasar a confusão mental a qual seus personagens estão a conviver. A falta de realismo pode prejudicar, mas é suprida, por incrível que pareça, pela própria artificialidade. A moral preliminar funciona como uma lição protetora para que o espectador não incorra num erro semelhante, utilizando elementos subjetivos, sem julgamentos, da alma humana. Um bom filme.
Nasceu no Porto em 11 de Dezembro de 1908. Com 102 anos, é o cineasta mais velho em atividade na história do cinema. Iniciou a carreira como atleta e piloto de corridas e dirigiu seu primeiro curta mudo, Douro, Faina Fluvial, em 1931. Depois de um fracasso em 1942, deixou o cinema para tornar-se vinicultor. Votou ao cinema em 1972, e a partir de então realizou inúmeros filmes autorais, alguns com a participação de estrelas como Marcello Mastroianni, Catherine Deneuve e Michel Piccoli, que fizeram dele um dos diretores mais singulares do cinema.
Filmografia
2010 – O Estranho Caso de Angélica
2009 – Singularidades de uma Rapariga Loura
2007 – Cristóvão Colombo – O Enigma
2006 – Belle Toujours
2005 – Espelho Mágico
2004 – O Quinto Império – Ontem Como Hoje
2003 – Um Filme Falado
2002 – O Princípio da Incerteza
2001 – Porto da Minha Infância
2001 – Vou para Casa
2000 – Palavra e Utopia
1999 – A Carta
1998 – Inquietude
1997 – Viagem ao Princípio do Mundo
1996 – Party
1995 – O Convento
1994 – A Caixa
1993 – Vale Abraão
1992 – O Dia do Desespero
1991 – A Divina Comédia
1990 – Non, ou a Vã Glória de Mandar
1988 – Os Canibais
1986 – O Meu Caso
1985 – Le Soulier de Satin
1981 – Francisca
1979 – Amor de Perdição (1979)
1974 – Benilde ou a Virgem Mãe
1971 – O Passado e o Presente
1963 – Acto da Primavera (docuficção)
1942 – Aniki-Bobó
Curtas e médias metragens
2010 – Painéis de São Vicente de Fora, Visão Poética
1985 – Simpósio Internacional de Escultura em Pedra – Porto
1983 – Lisboa Cultural
1983 – Nice – À propos de Jean Vigo
1982 – Visita ou Memórias e Confissões
1966 – O Pão (documentário)
1965 – As Pinturas do meu irmão Júlio (documentário)
1964 – A Caça
1956 – O Pintor e a Cidade
1941 – Famalicão (filme)
1938 – Já se Fabricam Automóveis em Portugal
1938 – Miramar, Praia das Rosas
1932 – Estátuas de Lisboa
1931 – Douro, Faina Fluvial
Como ator
1994 – Lisbon Story, de Wim Wenders
1980 – Conversa Acabada, de João Botelho
1933 – A Canção de Lisboa, de Cotinelli Telmo
1928 – Fátima Milagrosa, de Rino Lupo