Singular
Um olho mágico espião de si mesmo
Por Júlia Wehmuth Roth
O curta-metragem “Singular” do diretor Miguel Atanes, é um suspense sobre uma mulher (interpretada por Priscylla Atanes), que tem sua rotina solitária e exaustiva frequentemente interrompida por bilhetes “invasivos” e anônimos que a irritam profundamente, ao ponto de faze-la embarcar em uma investigação para tentar descobrir a identidade da pessoa que a importuna. Apesar de o roteiro ter um desfecho previsível, entregando o resultado final da trama com muita facilidade, o curta ainda tem uma boa capacidade de prender a atenção por meio dos questionamentos subliminares do estado da personagem. Além disso a obra é muito bem sucedida em utilizar elementos artísticos e técnicos em nome da expressão dos sentimentos do ambiente. Sua solidão fica muito marcada pelo fato de ser a única personagem visível pela câmera, e o único ambiente retratado, o prédio em que vive. Existe uma certa distância raivosa entre ela e o resto do mundo, mesmo quando estabelece contato com outras pessoas por meio do telefone, não chega a revelar o próprio nome, referindo a si mesma, pelo número do apartamento.
A atmosfera misteriosa de “Singular” é ressaltada por um misto de iluminação intensa, com momentos de iluminação pouco direta, ou sombras unidas a presença de tons esverdeados, que se associam a cenas relacionadas a situações de trabalho. Tendo como exemplo quando ela descarrega suas frustrações em uma conversa ao telefone, enquanto volta para seu apartamento no fim do dia. Nesse trecho a luz aumenta aos poucos, conforme ela se aproxima de casa e o tom de verde é gradualmente substituído pelas cores amarelo e branco, criando um forte contraste e elemento narrativo. Isso porque, o branco geralmente é uma cor de indução a atenção, funcionalidade e produtividade, próprio para áreas associadas a trabalho, enquanto o amarelo induz conforto, relaxamento e familiaridade, sendo recomendado para áreas de descontração. A união de ambas as cores, principalmente dentro do apartamento, causa uma impressão de que a personagem vive em um empasse com a ideia de se permitir afastar do trabalho ao chegar em casa, mesmo tendo a necessidade de descansar.
Além disso, embora organizado, o ambiente está cercado de objetos que denunciam seu estado de esgotamento. Um pote de café instantâneo quase vazio, (falta energia até para coar um café), remédios, cigarros para aliviar seu estresse, etc. Já a presença de uma câmera com poucas movimentações, posicionada em ângulos estranhos, e de planos aproximados (que se afastam principalmente nos momentos em que a personagem está posicionada de tocaia na porta tentando encontrar seu mensageiro, pelo olho mágico). Causam uma recorrente sensação de espionagem. Aqui, em “Singular”, há um elo narrativo e temporal. Quando ela pega o primeiro bilhete, existe um plano pela perspectiva do olho mágico, no lado externo do apartamento. Depois, na segunda vez que esse recurso é utilizado, esse efeito é amplificado, pois o olho mágico está dentro da casa dela, e ela se aproxima para vigiar o olho na própria porta, sendo observada por um segundo olho mágico (presente na perspectiva do espectador). Do qual não tem conhecimento, e que permanece ali por mais dois planos, quando ela abre a porta, procurando a pessoa, e quando pega o bilhete, sendo vista de baixo para cima.
“Eu olhei rápido, mas não consegui pegar a pessoa”. Ela diz no ao telefone para o porteiro. Mais tarde, o espectador descobre em “Singular” que foi ela mesma quem criou aquelas mensagens. Quando mais uma vez a perspectiva do olho mágico observa a personagem, dessa vez escrevendo em um pedaço de papel para si mesma. O que pode ser interpretado como um elo temporal, não linear. Pois antes ela observava pelo olho, sem saber por quem procurava. Depois ela está sendo observada por alguém misterioso, que o espectador não sabe quem é. Mas se antes a observada era a autora dos bilhetes, e quem realizava o ato de observar também era ela… então a personagem era as duas coisas ao mesmo tempo. Tentando enxergar a si mesma, dentro de sua própria solidão.