Saria
Genocídio Entre Muros
Por Jorge Cruz
Como provocação ou proposta de debate “Saria” talvez seja uma das produções mais relevantes dentre os indicados ao Oscar 2020. O curta-metragem, escrito e dirigido por Bryan Buckley, traz de volta a lembrança (ou apresenta aos que não conhecem a história) do incêndio que atingiu o abrigo Hogar Seguro Virgen de la Asunción, na Guatemala em 2017. Um albergue onde meninas menores de idade eram enviadas a título correicional.
Em protesto contra as constantes violações e abusos sofridos por elas, o grupo ateou fogo em seus colchões. Saindo do controle, as chamas consumiram a casa e 41 pessoas morreram (outras vinte ficaram feridas). Chamar de genocídio um evento de origem aparentemente acidental pode soar exagerado, mas as motivações por trás das atitudes que levaram ao resultado autoriza o uso da expressão. Por um lado, a obra tenta criar esse vínculo, propondo uma abordagem que simboliza nas protagonistas os horrores sofridos por aquelas mulheres.
Todavia, há algumas questões na execução de “Saria” como produto audiovisual que tira a força de sua mensagem. Uma cena onde uma personagem dá um tapa no rosto de uma das meninas é constrangedoramente mal realizada, assim como a indecisão estética da condução de Buckley. A montagem parece ter pinçado o que seria a fase intermediária da história e cria um salto temporal bastante confuso, apenas para potencializar as imagens perturbadoras que introduz. As referências são acidentais, tanto que os créditos ao final da projeção não contemplam todas as dúvidas que pairam sob a parte do público que não conhece a verdadeira história.
A própria relação entre as irmãs Saria (Estefanía Tellez) e Ximena (Gabriela Ramírez) mal se desenvolvem, pois há certa urgência pelo choque. Pelo contrário, entender o que foi a tragédia de 2017 na Guatemala, com o motim previamente estabelecido na véspera daquele que é considerado o Dia Internacional da Mulher, comprova o quão banal é a visão aplicada do curta-metragem sobre o que ocorreu. Uma história terrivelmente assustadora, que não se transforma em uma obra audiovisual minimamente eficiente apenas porque “Saria” é um filme que não consegue (e parece não querer) criar sua própria estrada.