O diário de Myriam: Percepções infantis sobre a guerra
Por Chris Raphael
Guerras entre povos se sucedem através dos tempos. O ser humano é bélico. Pessoalmente, não encontro justificativa para a maioria dos massacres ocorridos na contemporaneidade, mas consigo entender alguns, com um pouco de esforço. Não concordo, mas entendo. Há uma desaprovação maciça em relação ao quantitativo de vidas ceifadas. Muitas desesperanças e traumas são imagens contundentes do inexorável exibidas cruelmente diante dos olhos de todos, inclusive dos mais inocentes: as crianças.
O livro “O diário de Myriam” trouxe ao público a possibilidade de vivenciar uma parte da guerra da Síria. O relato foi escrito no período de novembro de 2011 a dezembro de 2016, contada pela jovem síria Myriam Rawick e, com a ajuda do jornalista e correspondente francês Philippe Lobjois, transformou-se no texto final . Lançado pela Darkside Books, que é a primeira editora brasileira especializada no universo do terror e fantasia. O conflito resiste até os dias atuais visto que a guerra ainda não terminou. Com o auxilio do correspondente internacional, o relato diário efetuado pela menina que teve início incentivo de sua mãe ganha asas e tem a oportunidade de ser lido por leitores do mundo inteiro.
Myriam escreve sua estória e nunca pensou em entrar para estória. Os dias de menina alegre em Alepo, uma das cidades mais antigas da Síria, são relatados em uma linguagem singela, na infantil percepção de criança. Isso torna o texto original e absolutamente ingênuo. Não existem segundas intenções. Não existe “ler nas entrelinhas”, tampouco existem mensagens subliminares escondidas. O que quer que tenha sido escrito significa apenas as palavras exatas. Os relatos dos seus dias são cheios de vida, vida essa que obrigada a abandonar com a aproximação dos bombardeios, invasões e conflitos armados.
O texto tem o apelo ser uma estória real. Isso o torna mais palpável e com capacidade de atrair leitores fanatizados por estórias de guerra como também os que não podem se afastar do drama. A construção da leitura em forma de diário é bem sucedida: temos a experiência do “Diário de Anne Frank” que não nos deixa mentir. Separadas por décadas, os relatos são um grito uníssono: a infância roubada pede socorro.
Tudo é luta, bombas explodindo, escombros de prédios, medo e incertezas, refúgios e abrigos, morte e luto, lembranças deixadas para trás, a vida deixada para depois, um depois que talvez não aconteça. Esta guerra está na boca de todos, o mundo inteiro põe os olhos sobre ela. A prova disto é o filme brasileiro de 2018, “Salto no vazio”, de Cavi Borges e Patricia Niedemeier, que referencia muito bem este grave momento, quando retrata (ficcionalmente) o amor entre uma cineasta e um correspondente de guerra que está cobrindo a referida guerra, cujas fotos têm destaque no filme. Em cada canto do planeta, milhares de pessoas estão vivenciando, à sua maneira, esta guerra que ainda não acabou.