Direção: André Klotzel
Roteiro: José Antônio De Souza
Atores: Ana Lúcia Torre, Selton Mello, Germano Haiut, Fabíula Nascimento, Aramis Trindade
Fotografia: Uli Burtin
Música: Mário Manga
Direção de Arte: Jean-louis Leblanc e Ana Rita Bueno
Figurino: André Simonetti
Edição: Letícia Giffoni
Estúdio: Brás Filmes / Aurora Filmes
Produção: André Klotzel
Duração: 80 Minutos
País: Brasil
Ano: 2010
COTAÇÃO: ENTRE O BOM E O MUITO BOM
“Reflexões de um liquidificar” busca a estilística, utilizando as figuras de linguagem como ponto de partido para o argumento escolhido, quando fornece qualidades a algo que não as possui e ou ao atribuir vida ou características humanas a seres inanimados irracionais e abstratos. O longa comporta-se como um fábula moderna, mergulhando na fantasia psicológica de seus personagens, com humor negro e mórbido, conservando e rotulando, assim, o que cada um é, despertando o sombrio da alma, extrapolada no limite do aceitável socialmente. É muito sutil o liminar tênue entre a loucura do ser humano e a possível sanidade mental. A repetição dos acontecimentos inesperados na vida faz com que se apresente duas opções: a da importância desmedida (desencadeando a esquizofrenia) ou a do descaso da informação que se recebe (gerando a alienação momentânea e mantendo o equilíbrio de se achar que é o que está sendo). A mente humana é um mistério. Nunca se saberá a totalidade de seus poderes. Vivenciar, recorrentemente, ações e sentimentos poderá ou não “acordar” a devida resposta, que poderá ser pela falta e ou excesso de silêncio experimentado. O filme segue o viés da mesmice conjugal. O casal não visualiza a novidade entre eles, precisando buscar fora deste meio que convivem.
A solidão crônica impulsiona ouvir o surrealismo. Elvira (Ana Lúcia Torre), uma dona de casa de aparência pacata e simpática, ouve uma voz estranha na cozinha: é o liquidificador (voz de Selton Mello), que começa a falar com ela. Um belo dia, Onofre (Germano Haiut), o marido de Elvira, desaparece sem deixar vestígios. Ao iniciar conversas com um liquidificador, começa-se a embarcar na defesa do individualismo. Aceita-se isso para que seja permitido não mais sentir a carência e saudade que o próximo aumenta a cada dia. O simbolismo metafórico explora as definições deste objeto doméstico, tão presente na vida de uma dona de casa, esta acostumada a servir ao marido. O liquidificador participa com cumplicidade da prisão do casamento. Então, tornando-se aliado à este eletrodoméstico, a esperança da libertação proporciona uma luz no fim do túnel. “Não ser gente já é um forma de ser feliz”, diz-se. O espectador necessita dominar a sua mente a fim de visualizar os ruídos e transforma-los em concretos visuais. O interessante é que não há animação. O roteiro escolhe o seco e o direto, assim como deve ser, deixando o liquidificador como ele mesmo, apenas com a narração, que o dá vida, de Selton Melo, em um competente e excelente entonação. Selton torna-se o “bom bril” (mil e uma utilidades – e formas de interpretação) do novo cinema nacional, embrenhando-se por diferentes papéis e escolhas. Escalar Ana Lúcia Torre também foi um elemento imprescindível à trama.
Ana é uma excelente atriz que se entrega sem medo do que poderá acontecer. Não se pode deixar de mencionar os coadjuvantes que complementam a atmosfera inteligente e despretensiosa que se objetiva atingir. A parte técnica direciona a história pelos detalhes (os transformando em personagens). “Vida consciente, vivência do homem”, diz-se. O aparelho aprende a conhecer a morte, com extrema visceralidade. Até então, a pureza fazia parte de suas ideias. Ele (o liquidificador) não se dava conta que, antes um “caco velho”, e com uma nova hélice tornou-se “Uma arma. Forte e sólido”. Abordando taxidermias, encontra-se a epifania. “Caduquice: trocar ideias com o liquidificador”, diz-se. É impossível não referenciar ao filme “Mamãe é de morte”. Com camera observadora e detalhista, intercala, por meio de histórias contadas, o desaparecimento do marido da protagonista. “Cada um reza como pode”, diz-se. “Gosto de morte”, ela diz. “Foi o sabor que você me deu”, o liquidificador responde. Cada ser humano saboreia o estado de espirito, transferindo para estes seres abstratos (incluindo alimentos) a somatização do que se sente realmente. Concluindo, é um filme com um roteiro extremamente inteligente e inventivo, que utiliza o surrealismo epifanico e com ótimas interpretações. Mas a repetição destes mesmos elementos gera a mesmice do que se está vendo, o tornando óbvio em ações futuras. Perde-se um pouco, mas nada que comprometa o longa como um todo.
André Klotzel (São Paulo, 1954) é diretor, roteirista, produtor e editor cinematográfico. Estudou cinema na Universidade de São Paulo, e trabalhou em mais de uma dezena de longas, e muitos curta-metragens antes de dirigir seu primeiro filme, A Marvada Carne. Em 1983, fundou com alguns colegas a produtora Superfilmes, da qual foi sócio até 2001. Hoje tem a produtora Brás Filmes.