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Raul – O Início, O Fim e O Meio

Toca Waltinho!

Por Fabricio Duque

Festival do Rio 2011

Raul – O Início, O Fim e O Meio

Não sei quem lembra, mas o Festival do Rio de 2009, antes da sessão do filme “Bastardos Inglórios”, de Quentin Tarantino, no Odeon, dia sete de outubro, exibiu cinco minutos com cenas inéditas do que seria o novo “suposto” projeto de Walter Carvalho, antes diretor de fotografia, e de tempos pra cá, assumindo a responsabilidade na função de diretor /cineasta. Esta informação não foi descartada, sendo lembrada pela diretora do referido Festival, Ilda Santiago, na sessão de gala do encerramento do evento, em 2011, quando apresentou a primeira exibição pública de “Raul – O Início, O Fim e O Começo”. Contradizendo a resposta de Walter, que numa entrevista ao Vertentes do Cinema, disse que “a responsabilidade não é grande, e sim da vida”, nós, espectadores, sabemos que só a ideia de tentar traduzir o mito Raul Seixas, já é muita coisa. Mas o diretor aceitou o desafio. E conhecendo a impaciência, competência e sistemática de Walter, associada com a idealização apaixonada de Denis Feijão, talvez possamos compreender a obra existencialista, catártica, epifânica, musical, transgressora, liberal, autoral, polêmica, inusitada, excêntrica, depressiva e esperançosa, que o documentário em questão representa. Resgatar Raul Seixas é trazer à tona toda uma época, com suas limitações comportamentais e com suas inovações que permanecem até o presente momento. Conhecer o artista que queria ser ator é embarcar em uma inequívoca sensação de temporalidade. Não, está errado. Pelo contrário, as músicas e atitudes do “mito”, que na verdade não buscava nada, só expor, de forma poética, realista, o que pensava sobre o mundo e ou o local que o rodeava. “Raul era inteligente demais pra ser pego pela censura (ditadura)”, disse Pedro Bial, um dos entrevistados do longa-metragem. Walter imprimiu uma narrativa clássica, de gênero documental, rebuscando no contexto informativo, e passeando pela polêmica e naturalidade, como na cena na qual Kika Seixas, uma das ex companheiras, diz “Eu já fiz vários abortos, este seria mais um, mas Raul queria ter um filho”. Isto pode chocar a sociedade de hoje, hipócrita e politicamente correta, mas naquele tempo, a simplicidade costurava os caminhos, fornecendo à vida, uma leveza de ser e agir.

Pode gerar o questionamento a quem assiste de que a pseudo-globalização cresceu no campo social, porém atrasou o social, principalmente o comportamental. A “trama” de “Raul – O Início, O Fim e O Começo” inicia-se referenciando a famosa cena da motocicleta na estrada do filme “Sem Destino”, dirigido por Dennis Hopper, com o próprio e Peter Fonda, dois seguidores da contracultura hippie no final dos anos 60 saem de Los Angeles e atravessam o país até Nova Orleans. Na viagem, encaram o espírito da liberdade, mas também muito preconceito. Melhor exemplo impossível. Raul Seixas era a figura da contracultura, criticando a igreja, os meios midiáticos e a ele mesmo, com sarcasmo ingênuo, humildade debochada e criatividade nas composições. O Brasil precisava de alguém que o tratasse de igual para igual, mas que precisasse ser perspicaz o bastante a fim de transpor a barreira da censura. “Deixa gravar tudo”, diz Raul comendo peixe frito e lendo fragmentos textuais. Há tudo. Trechos de shows, de áudio, programas de televisão, depoimentos de personalidades – e da família. E muito mais. Há a sociedade alternativa, Paulo Coelho, as filhas, as mulheres, as drogas. Raul era apaixonado por cinema e “espero acabar em Hollywood fazendo filmes”, diz e complementa o seu maior medo “Tô com medo de morrer da porra”. Não é fácil tentar defini-lo. É meio beatnik, meio hippie, meio Elvis Presley, meio Luiz Gonzaga, meio bolero. Pode ser viagem minha, mas Walter deve ter visto “Quero ser John Malkovich”, de Spike Jonze, porque busca a essência que precede a essência. Quer de toda forma passear no lado mais intrínseco do astro em questão aqui. É um filme inquieto. Raul fez parte do Fã Clube de Elvis, era “biriteiro” e queria ser “um James Dean do rock”. Revolucionário, rebelde, fumava por protesto, fazia “a vida diferente da dos pais”, assim como qualquer jovem daquela época. Quem viu o filme “Juventude Transviada”, sabe exatamente compor o imaginário de anseios, desejos e influências projetadas, que dava “poder fictício para garotos de quatorze anos”.

Nesses jovens, a ingenuidade estava conservada. Só a atitude de levantar a gola da camisa já era ameaça e mostrava a insatisfação por não conseguirem demonstrar o que realmente eram. A repressão era castigadas por crenças, que geravam reações explícitas, por menor que fossem. Começou com “Raulzito e as Panteras”. “Sociedade Alternativa” é o disco de virada, misturando ritmos e gêneros. Raul, careta, conhece Paulo Coelho, o louco. “Eu apresentei ao Raul todas as drogas”, diz o autor de “O Alquimista”. “A história é o que as pessoas acham que é história”, diz-se. A música do protagonista incomodou sendo direta, sem ser superficial, de acidez poética, confrontando o sentimental. “Ouro de Tolo é um exemplo, um pré-rap que canta subversão, muito mais que Chico Buarque”, diz Bial. “A verdade absoluta não existe. Devemos abrir portas para as individuais acontecerem”, vomita Raul e complementa a regurgitação “Faze-o que tu queres, há de ser tudo da lei”, coincidentemente aludindo um dos princípios básicos da nova Constituição Federal do Brasil. “O Homem só devia comer e sonhar”, diz-se. Nova Iorque, Gita, mulheres fêmeas e entregues, maluco beleza – vestido de lampião, com arma na cintura, plut plat zum, tem tudo. Walter não deixou passar nada. “Até respirando, Raul já estava provocando”, sentencia-se. Parecido com a figura de John Lennon, Raul foi perguntado como definia a sua música, eis que o mito responde “raulseixismo” e solta sem medo da represália “O Rio é uma grande mentira”. Há ainda o ostracismo, a volta por cima, a morte e as homenagens. Concluindo, tentei não contar muito para que não subtraia o elemento surpresa do espectador. “Raul – O Início, O Fim e O Começo” é um filme incrível, que merece ser visto, porque traduz, sim, e não só tenta, a atmosfera de adoração a Raul Seixas. Walter toma a figura do personagem abordado, desmistifica, o humaniza, explica o porquê de tanto alvoroço em torno do nome Raul. O documentário consegue atingir aos fãs e não tão fãs assim, principalmente pelo cuidado técnico de resgate deste ícone da musica brasileira, que a mídia fez questão de apagar na época. Obrigado Walter tanto pelo longa-metragem e pela excelente exibição, que me fez mudar de ideia e aclamar muito mais o seu filme! Toca Raul! Toca Waltinho!

5 Nota do Crítico 5 1

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