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Quem Tem Medo?

A utopia iconoclasta antifascista

Por Bernardo Castro

Durante o É Tudo Verdade 2022

Quem Tem Medo?

“Nós Imoralistas prejudicamos a virtude? — Tanto quanto os anarquistas prejudicam os príncipes. Só depois de terem sido atingidos de novo se sentam firmemente nos seus tronos. Moral: é preciso disparar contra a moral.”, Friederich Nietzsche, em “O crepúsculo dos ídolos”.

A primeira lei de Newton afirma categoricamente que um objeto inerte tende a permanecer inerte, a menos que um princípio incitante dê movimento ou mude o seu curso. Essa força tira-o de seu estado de comodismo, colocando-o em uma situação inesperada e força-o a se adaptar. Artistas dos mais variados campos ao longo dos últimos anos vêm se tornando asseclas da então chamada arte do choque, que anela introjetar na sociedade o princípio incitante citado anteriormente através do desconforto, do medo e da ojeriza que suas obras podem gerar no âmago dos apreciadores. Estes artistas, para a decepção de Nietzsche, estes artistas requerem mais do que seu pão e sua arte. Eles são pivôs da cultura da desconstrução e da provocação, com o fim de mudar o status quo. É desta vertente do fruir artístico que os realizadores Dellani Lima, Henrique Zanoni e Ricardo Alves Jr. esforçam-se para refletir acerca no longa “Quem tem medo?”, selecionado para a 27ª edição do Festival É Tudo Verdade.

“Quem tem medo?” é, principalmente, um documentário performático, pois conta com diversas performances invulgares e com teor iconômaco. Porém, ao classificá-lo única e exclusivamente como um limita a sua forma, que contém dentro de si elementos de outras modalidades documentais e não necessariamente tem como foco as performances. Ele também é um documentário reflexivo, que fala do fazer performático em si e da produção de contracultura. Ao longo do filme, vemos diversos excertos de gravações durante o plenário e ou vídeos divulgados por membros da câmara dos deputados.

Quanto ao caso do primeiro artista identificado, é válido ratificar que envolver crianças em uma performance deste cunho tange questões problemáticas da nossa sociedade e encontra-se em uma linha limítrofe beirando o não ético, independentemente de ideologias ou acepções de matriz artística. No entanto, o ex-deputado Jean Willis, em uma das declarações utilizadas no corte final, reitera a classificação etária da mostra e o descaso dos pais, o que foge completamente ao controle do autor da exposição. Também é importante destacar que as pessoas têm todo direito de criticar ou se opor a arte, porém não é justificável incitar violência para com os artistas que a conceberam.

Uma acepção errônea comum no meio artístico é pressupor que a iconoclastia, comum aos performistas e diretores consagrados como Lars von Trier, é o suprassumo da produção artística, que comporta as técnicas mais avançadas e inovam com a visceralidade de seus enquadramentos. Ainda que seja uma expressão válida, não existem motivos para alicerçar essa crença – fora que, ao investir os esforços para engendrar obras de cunho iconoclasta, muitas vezes se esquece de elementos básicos para a construção narrativa ou ignoram-se regras fundamentais do formato escolhido.

Os diretores de “Quem tem medo?” procuraram ceder espaço às mais diversas pessoas inseridas no meio artístico-performático, dando voz às populações marginalizadas ou rechaçadas pelas classes dominantes ou tornando audível o seu grito desesperado por respeito. Alojadas nos extratos sociais inferiores, estas pessoas encontram na arte do choque um meio para expressar o seu sofrimento e pôr holofotes em suas cicatrizes. Em dado momento do longa-metragem, uma citação de Audre Lorde chama a atenção: “O seu silêncio não vai te salvar”. Todavia, por mais que essas minorias tenham muito ímpeto para bramir suas verdades, encontram no caminho a censura do Estado brasileiro – chumbo simbólico que cala estas vozes.

Ao final de “Quem tem medo?”, têm-se algumas sobreposições de planos e informações adicionadas em formato de texto que, quando alinhavadas, propiciam discussões e reflexões no tocante à situação política do país e instiga o espectador a diagnosticar as mazelas da democracia – ou pseudo-democracia. A justaposição das imagens do ataque da célula integralista à sede do Porta dos Fundos com a filmagem da peça distópica “RES Pública 2023” provoca a análise do quanto de verdade a ficção comporta e o quão menos exagerada ela aparenta. A música de encerramento desperta para a crescente alienação das massas e traz à luz os planos recônditos para degradar a democracia. Salienta-se que, aos poucos, isso dará margem para que o governo imponha novos limites à expressão, ameaçando ainda mais as liberdades individuais – é necessário ater-se a esses perigos.

3 Nota do Crítico 5 1

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