Profile
Screenlife
Por João Lanari Bo
Festival de Berlim 2018
“Profile”, o longa que Timur Bekmambetov dirigiu em 2018, é um filme afiado: utiliza a pleno vapor a técnica do screenlife, onde todos os eventos ocorrem na tela do computador, tablet ou smartphone. De acordo com Timur – creditado como um dos inventores do novo formato – um filme de tela de computador deve ocorrer em uma tela específica, nunca sair da tela, o trabalho de câmera deve se assemelhar ao comportamento da câmera do dispositivo, toda a ação deve ocorrer em tempo real, sem transições visíveis e todos os sons devem se originar do computador. Falou e disse. A Wikipedia dedicou, desnecessário ressaltar, uma página sobre o assunto, onde consta que o screenlife não é um novo gênero de cinema, já que o formato pode abrigar diversos gêneros, como terror, suspense, comédia, etc. O que importa é captar a atenção do espectador fazendo-o imergir no mundo virtual da tela bidimensional do computador, controlando a pulsão táctil dos personagens em navegar no ambiente virtual das interfaces – Facebook, Skype, e-mails, Whatsapp, Google e por aí vai. A pulsão táctil, em última análise, substitui a construção psicológica dos personagens e a impressão de realidade emanada do espaço-tempo carnal.
O filme em tela – seria mais adequado falar “em telas” – é até mais do que realista, é inspirado no livro “Na pele de uma jihadista”, de 2015, que narra a saga real de uma jornalista francesa que criou um perfil falso no Facebook e começou a conversar com um comandante sênior do Estado Islâmico, o poderoso consórcio de grupos terroristas no Oriente Médio. Seu objetivo era investigar como funciona o recrutamento na internet para a jihad, como jovens de 20 anos deixam cidades como Paris ou Londres para cruzar mais de 4 mil quilômetros de distância, vestir um véu e empunhar uma Kalashnikov. Jihad 2.0, ou seja, toda a comunicação feita pela internet, sedução, promessas de noivado, proselitismo político: hoje Anna Erelle, nome fictício que adotou a escritora, tem proteção policial 24 horas por dia, mas não se arrepende. Seu livro foi um “best-seller” e o Exército Islâmico, também conhecido como ISIS, foi derrotado – mas não liquidado.
A datilografia que a britânica Amy Whittaker (Valene Kane) executa no teclado do seu computador, na versão de Timur para o cinema, constrói um tecno-thriller de alta potência imersiva, colocando, ou melhor substituindo nossa pulsão escópica de imagens-simulacro da realidade pelo desejo lancinante de acompanhar a agilidade mental de Amy na manipulação das interações na tela. “Profile” não abdica dos bons e velhos sustos com situações de carne e osso: a emoção, afinal, transborda, à medida em que a jornalista deixa-se levar pelo jogo sedutor de Abu Bilel, o recrutador que foi para a Síria e jogou na fogueira o passaporte britânico. O uso esperto de found footage – e não faltam imagens tenebrosas do ISIS a circular pela internet – traz uma espécie de fio-terra para o mergulho da jornalista, emprestando um grau de verossimilhança elaborado, para o bem e para o mal, a partir dos dejetos virtuais dessa era de mídias sociais em que nos metemos.
Amy, na sua sofreguidão, parece às vezes construir as premissas de um documentário, ou um web-doc: mas estamos em um filme de Timur Bekmambetov, onde a velocidade mental do espectador não é subestimada, pelo contrário. Rapidamente, os pontos de contato da nossa personagem vão ficando pelo caminho, do namorado atônito em Londres à editora do site onde vai publicar a matéria, até o cachorro que não para de latir. Mas, qualquer extracampo digital pode ser fatal: um compartilhamento de tela equivocado pode permitir sua localização e desvelamento – ela, recém-convertida, está sempre de hijab diante do computador.
Timur Bekmambetov nasceu no Cazaquistão, na época da finada URSS, e conhece, portanto, as sensibilidades islâmicas. Sua ascensão na indústria cinematográfica russa e global é meteórica: produziu e dirigiu comerciais, filmes sobre a guerra do Afeganistão, thrillers de terror elogiados por Tarantino (“Night Watch” e “Day Watch”) e acabou se mudando para Hollywood, onde comprou a casa que pertenceu a …Walt Disney. Na linha de “Profile”, planeja um filme que analisa os aspectos digitais da invasão russa na Ucrânia, a qual, aliás, foi duramente condenada por ele, como muitos outros na terra de Putin. Tal como muitos concidadãos soviéticos, Timur passava férias de verão em cidades ucranianas, como Chernigov e Kherson. Este é o mundo em que vivíamos e é de partir o coração ver como ele se desfez da noite para o dia, comentou.