Curta Paranagua 2024

Porta a Porta – A Política em Dois Tempos

Ficha Técnica

Direção: Marcelo Brennand
Roteiro: Marcelo Brennand, Caio Cavechini
Elenco: Documentário
Fotografia: Rafael Cabral, Marcelo Brennand, Caio Cavechini
Produção: Ricardo Brennand Filho
Estúdio: Zéfiro Filmes
País: Brasil
Duração: 80 minutos
Ano: 2010
COTAÇÃO: ENTRE O BOM E O MUITO BOM

A opinião
“Porta a Porta – A Política em Dois Tempos” mostra que na política há lados, que podem ser metafóricos, individualizados, egoístas, imponentes, manipuláveis, demagogos e passionais. A fim de que o espectador, assim como um indivíduo social, possa entender esta arte é necessário o mergulho nos trâmites e estratégias da campanha eleitoral. “É a verdade que faz com que as pessoas reflitam e tenham a possibilidade de mudar seu ângulo de visão sobre a política”, diz o diretor Marcelo Brennand, de uma das famílias mais ricas do Nordeste, que optou pelo lado interiorano ao rodar o documentário sobre as eleições municipais de 2008 em Gravatá, no Agreste pernambucano. Lá, é outra vertente da política. Devido à latente pobreza que atinge seus moradores, há a possibilidade, com mais intensidade, da presença de “paternalismo” – e de “coronelismo”. No registro de Marcelo, eleitores vendem seus votos por uma cesta básica e ou por um tratamento dentário. Nos dias de hoje, isto poderia ser considerado como lembrança nostálgica, caricata e clichê. Mas não é. É mais comum do que se pensa. O povo pernambucano possui nas mãos a responsabilidade de escolher um representante. Desta forma escolhe uma cor do partido (e do candidato): vermelho (PT) e azul (PSDB). De um lado no comício temos o representante de Lula, o ex-ministro de Saúde, Humberto Costa, e do outro o Governador de Minas Gerais, Aécio Neves. A narrativa de Marcelo tende a exposição real de todos que participam deste “jogo” político: os cabos eleitorais, os candidatos, os votantes; intercalando dois tempos, anteriores à eleição (90, 60, 20, 30, 15, 7, e o dia propriamente dito) e um ano após. Ele busca as histórias, os porquês, transpassando ao espectador o conhecimento que o processo do sufrágio gera benefícios a esses moradores.
Nesta época, o emprego aparece. Ganham setenta reais por semana para entregar santinhos, visitar eminentes votantes a favor, de porta em porta, para balançar bandeiras de propaganda, que chegam a pesar doze quilos. É um momento de entrega, de festa, de diversão. Dançam axé, fazem carreatas animadas, travando discussões acaloradas e passando a orbitar em torno de estruturas partidárias sem ideologia ou plataforma política. O dinheiro entra em Gravatá, tornando-se um meio de sobrevivência para muitas comunidades, por pelo menos noventa dias, tempo de uma eleição. “A política nesta época é um corre-corre. Todo mundo é rico, todo mundo é aplaudido”, diz uma moradora, discorrendo com total entendimento o mundo percebido a sua volta. A política é uma bola de neve que já não se sabe o começo. De um lado, há os candidatos que transformam suas campanhas num “circo”, utilizando jingles (músicas repetitivas – e chicletes – que corroboram qual o nome e o número da pessoa que se deve votar). E ainda, há o estímulo ao convencimento, por meio de um locutor, que imprime emoção catártica e dramática ao apresentar os políticos. De outro, o povo que se alimenta disto, como algo que realmente necessita, sem questionar-se, talvez porque a comida na mesa seja mais importante. “Eles tem que fazer o povo ser inteligente”, diz outra moradora. “Em Brasília, tem que ter um grupo. Com isso, a gente chega lá”, diz um candidato, com muitos erros de português. “É como um ‘Me engana que eu gosto’. O povo quer isso”, resigna-se.
“Ninguém como de festa”, diz talvez o mais sensato de todos, que troca Pernambuco (e sua família) por São Paulo a fim de tentar uma vida nova. “Não se sabe o que vai encontrar lá”, complementa. Os cabos eleitorais “tatuam” a camisa e “ideologia” de seus candidatos, daqueles que estão fornecendo o dinheiro. Assim, usam todo o embasamento possível, ingênuo e amador que encontram. “Vermelho é o sangue de Cristo”, é um deles. A votação foi resolvida de forma acirrada por poucos votos, mais ou menos trinta para ser mais exato. “A política é até perigosa. Todos defendem como se isto fosse a coisa mais importante da vida deles”, diz-se. O diretor explica que os “azuis” e os “vermelhos” já foram aliados. Como disse, política é uma questão de lado, de interesse. Em certo momento, Marcelo foca a história em Testinha, braço de confiança de Fernando Resende, que lutava pela vaga de vereador. O cabo “parecia mais um candidato costurando suas próprias alianças”. Concluindo, um filme necessário, que merece ser visto por utilizar de forma crua, e sem máscaras, pessoas interioranas, que servem como material bruto a fim de entender a estrutura política de Gravatá e inferir outros parecidos. Recomendo. “O filme não teve uma pesquisa, tudo aconteceu de forma orgânica. Não parti de um conceito previamente formado, porque queria acompanhar a rotina de um candidato desconhecido, sem um foco político fechado. não encontrei o que esperava e isto acabou refletido no filme. A ideia original era acompanhar um candidato desconhecido em campanha, mostrar sua estratégia política e expectativas. Com o decorrer das filmagens, fiquei sensibilizado com o enorme impacto que uma campanha eleitoral exerce em uma cidade do interior”, finaliza o diretor Marcelo Brennand.
O Diretor (por Heloisa Tolipan)
Marcelo Brennand, 28 anos, radicado em SP há 10, vem de uma das famílias mais ricas do Nordeste e decidiu, logo de cara, rodar o documentário Porta a porta, sobre as eleições municipais de 2008 em Gravatá, no Agreste pernambucano. O investimento inicial, bem modesto, saiu do bolso do próprio cineasta, que à época, estudava administração e trabalhava nas empresas do pai, Ricardo Brennand. “Eu tinha aquela vida de escritório, mas sempre fui viciado em cinema. Até que, um dia, senti a necessidade incontrolável de expressar minhas ideias. Fiz um curso de cinema, me apaixonei e larguei a gravata”, conta Marcelo. Os pais, é claro, levaram um susto, mas como parte da família tem veia artística (a mãe, Cecília, é bailarina e o tio-avô, Francisco, é um dos mais importantes artistas plásticos do país) acabaram dando a maior força. Tanto que seu Ricardo virou produtor executivo do filme. Mas, por que retratar as eleições? “Foi o impulso do ano eleitoral. Eu queria falar dos bastidores da política regional como um microcosmos da política nacional. Era um assunto que eu não dominava e, como decidi em cima da hora, só deu tempo de comprar uma câmera e chamar um amigo para ser diretor de fotografia. Eu queria mostrar que era possível fazer um bom filme apenas com uma boa ideia”, lembra. A jornada de Marcelo não foi fácil. “Fiquei impressionado ao ver como a campanha eleitoral envolve aquelas pessoas. A cidade é pequena, não tem indústria ou comércio fortes, então a esperança de conseguir um salário melhor é sendo vereador ou prefeito. Os candidatos vêem a política como salvação pessoal. Ao mesmo tempo, quem está no entorno da campanha se envolve emocionalmente e acaba sendo manipulado”, observa o diretor.

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