Polissia
Bastidores Interativos das investigações
Por Fabricio Duque
Durante o Festival do Rio 2011
“Polissia” integra o gênero de filmes que buscam exacerbar o realismo, abordando o tema polêmico do abuso sexual de crianças. Devido ao assunto em si, é inevitável ao espectador o envolvimento com a história, gerando a sinestesia interativa, porque quem assiste participa como observador (e principalmente julgador) da trama apresentada. Não há como permanecer imune. Os acontecimentos narrativos estimulam questionamentos, éticas, soluções e raivas de cada um de nós. É como se fosse um relato sobre as consequências dos profissionais “habilitados” a lidar com perversões e ou distúrbios mentais da alma humana.
O longa-metragem ganhou o Grande Prêmio Do Júri, em 2011, no Festival De Cannes. A diretora Maïwenn (de “O Baile das Atrizes”, “Pardonnez-moi”) optou pela atmosfera de dentro para fora, imergindo totalmente o espectador. A escolha pelo cinema “submarino” funcionou. O roteiro de “Polissia”, que a cineasta divide com Emmanuelle Bercot, aborda a hipocrisia da imparcialidade. Um indivíduo social é acima de tudo um ser humano, dotado de sentimentos, crenças, individualismos, idiossincrasias, vontades, desejos, possuindo preferências diversificadas sobre até um mesmo tópico. Então, chega a ser lógico, que o setor social (e legal), responsável pela resolução de crimes sexuais, necessita ser imparcial todo instante, não podendo elucubrar opiniões próprias e com desígnios julgadores. Mas quem vivencia estes “desafios”, muitos entrando no campo do surrealismo de tão complexos e inaceitáveis perante o meio que se vive, possui argumentos individuais contras ou a favor. Imagine a cena: um pai qualquer é pego violentando a própria filha de cinco anos. A legislação precisa ser totalmente justa e conciliadora. Mas e as pessoas (tanto juiz, quanto policial e até mesmo os envolvidos) precisam ser imparciais também? É impossível cada um não tecer algum comentário destrutivo e radical. No julgamento, a decisão deste pedófilo poderá ser o hospital psiquiátrico, porém a maioria decidiria a pena de morte. É com tudo isso, que estes profissionais lidam, sem esquecer que a própria vida pessoal precisa ser vivida. Então, há pressão, desespero, raiva, estágios a flor da pele. E este tom que Maïwenn deseja transpor à tela escura.
Assisti ao filme no último Festival do Rio 2011, no cinema Estação Vivo Gávea, após outro filme de temática semelhante, “Michael”, de Markus Schleinzer, e confesso que a “dobradinha” gerou uma enorme discussão sobre o certo e o errado de se julgar alguém, tanto no quesito legal (lei), quanto no pessoal (caráter). A minha opinião sobre este tema é irrelevante, mas precisamos dar o crédito ao que acontece após o espectador “absorver” as ideias presentes na película. O mérito de “Polissia” é delegar a responsabilidade do autojulgamento aos personagens, isentando o roteiro de “tomar partido”, deixando este imparcial, como apenas um relato de um polêmico tema. Uma das percepções é a “ausência” de voz da diretora-atriz, realizando o trabalho de apenas fotografar os casos. Os atores escalados participam da nova safra de cinema francês, integrando-se aos papéis que vivenciam. São quase participantes de uma ficção documental, sem expor o limite entre a interpretação e a realidade. Por causa desta “entrega” total, o filme incomoda (no melhor sentido do verbo) demasiadamente, gerando o desconforto e arrebatando quem assiste. É uma história que disseca, no cerne da questão, um problema real e presente na nossa sociedade. O título original “Polisse” pode ser traduzido como polícia, representando o óbvio, mas também mais aprofundado, como “para educar”, “Aperfeiçoar”, “tornar-se refinado”, “punir”. Se até o dicionário fornece opções argumentativas, por que limitamos nossas ideias? Vale à pena assistir.