Uma carta de amor eficiente
Por Pedro Guedes
Durante o Festival do Rio 2018
Se Orson Welles não tivesse existido, o Cinema dificilmente seria o que é hoje. Compreendendo a linguagem audiovisual de maneira singular e inigualável, o cineasta – responsável por obras como “Verdades e Mentiras”, “Macbeth”, “A Marca da Maldade” e, claro, “Cidadão Kane” – presenteou os apreciadores da Sétima Arte com técnicas visionárias que se mantêm modernas até a atualidade. O que nos leva à seguinte pergunta: como Welles enxergaria o mundo e o Cinema no século 21? Pois é isto o que Mark Cousins tenta desvendar em “Os Olhos de Orson Welles”, um documentário que praticamente se estabelece como uma carta de amor a um dos maiores gênios da História do audiovisual.
Em vez de seguir o estilo tradicional dos documentários que se baseiam em depoimentos oferecidos por vários entrevistados diferentes, “Os Olhos de Orson Welles” segue um estilo expositivo e emprega imagens de arquivo, desenhos e fotografias a fim de ressaltar o que está sendo dito pelo voice over de Mark Cousins, que passa os 115 minutos da projeção recitando uma carta direcionada ao próprio Orson Welles e questionando como este enxergaria o mundo se estivesse vivo até hoje. E este é o maior atrativo do longa, que utiliza essas indagações (sempre lançadas com reverência) para se aprofundar em vários detalhes da persona de Welles.
Assim, o espectador passa a entender como sua experiência com desenhos influenciou o visual de seus filmes, como alterar o final de um livro pode ser importante em uma adaptação e como a política é indispensável em qualquer forma de Arte – aliás, é meio triste imaginar como Welles se sentiria ao observar a ascensão do neofascismo em pleno século 21. Além disso, é interessante constatar como Cousins aproveita o atual momento da História e aponta como esta é cíclica, levando a questionar se a crise imobiliária de 2008 seria capaz de gerar um novo Orson Welles (já que o original tem ligações diretas com o contexto da Grande Depressão, de 1929). Mesmo tornando-se um pouco ilógico de vez em quando (em alguns momentos, a impressão que fica é a de que Cousins está explicando a mente de Orson Welles para… o próprio Orson Welles), este documentário é uma declaração de amor sincera e mais do que bem-vinda a um dos maiores cineastas que já passaram pela Sétima Arte.