Curta Paranagua 2024

Pérola

Mãe almovariana de Bauru

Por Paula Hong

Pérola

Cores vibrantes e aconchegantes revertem “Pérola” numa pesada roupagem nostálgica, na qual memórias são o meio que permite reencontro e a oportunidade de fazer as pazes com o passado, e de entendimento da figura central da vida de Mauro (Léo Fernandez). No segundo longa do diretor Murilo Benício (“O Beijo no Asfalto”), a narrativa construída em torno do núcleo familiar do interior de São Paulo, Bauru, apetece aqueles inclinados para dramédia, buscando prestar, através de Pérola (Drica Moraes), homenagem às matriarcas do Brasil — e, em especial, à mãe de Benício.

No que tange à relação materno-filial no cinema brasileiro mais recente, a exemplo de “Minha mãe é uma peça”, de Paulo Gustavo, adaptada do teatro para o cinema é, nesse mesmo sentido de adaptações, retratada por Benício com tons melancólicos que gradualmente respingam no tom expansivo e caótico da família, expresso na diminuição da saturação visual nos momentos de ausência de Pérola, cujo ponto mais alto do filme é sustentado pela atuação (sempre) luminosa de Drica Moraes. Isso demarca que a morte da mãe, informação dada nos primeiros minutos do filme, seja desencadeadora para que Mauro retorne às origens. No filme, isso é feito através de flashabck.

É por intermédio dele que o diretor use o filtro da memória e da nostalgia para nos imergir numa certa “universalização” um tanto quanto caricata da família de classe média, com sotaque interiorano forçado, na qual a clássica configuração familiar, com todos os seus momentos bons, ruins, de conflitos e conexões, se passa na sonhada “mansão” de Pérola, acompanhada pelas várias décadas de construção e reforma da almejada piscina de quintal. 

A constante manifestação da saudade é reforçada pelos poucos momentos de troca afável entre Pérola e Mauro, mas que circunscrevem, apesar dos empréstimos estéticos do teatro, o impacto do luto que inicia a revisita (mental, sentimental e física) de Mauro. Sendo ele o fio condutor de “Pérola”, temos a perspectiva de quem detém admiração e vontade de compreender, já mais maduro, quem é sua mãe, sobretudo pelas trocas de interação na casa — esse espaço físico, concreto, resistente às décadas de tribulações familiares e que também concentra momentos de felicidade, de crescimento, de tomadas de decisão. Apesar do recorte domiciliar, temos umas amostra da expansão da carisma contagiante de Pérola. Sua personalidade magnética é o que reúne todos, seja nas interações na mesa de jantar ou no quintal, rodeados por boa comida, churrasco e álcool — no caso dela, de bastante caipirinha.

A narrativa também acompanha as faíscas trocadas entre ela e os filhos ao longo dos anos de crescimento. As manias de Pérola, seu humor afiado e o jeito controlador são permeados pelo carinho e receio do que virá a ser deles na vida adulta. Em especial Mauro, cujo tímidos dotes artísticos são reconhecidos e incentivados até a adolescência, mas passam a ser rejeitados e desencorajados quando adulto; ele é visto como o outsider, o sem futuro. Há uma quebra muito dolorosa de ligação entre Pérola e Mauro, de modo que o rompimento da mesma o leva a sair de casa, em busca do que acredita para si. 

A montagem não segue uma linha cronológica, o que pode sugerir o atropelamento de pensamentos, memórias e sentimentos nos primeiros momentos de luto de Mauro. Talvez uma das cenas mais belas do filme esteja no reencontro, no tempo presente do filme, entre mãe e filho, no qual eles conversam sobre o enterro dela. A cena é ao mesmo tempo dolorosa e bonita por ser uma projeção de Mauro, uma recriação da possibilidade de falar com sua mãe pela última vez. Uma pena que este e outros momentos sofrem quebra de ritmo pelas intervenções em voz-off que pouco ou nada acrescentam, exceto para nos puxar de volta à realidade: “Mamãe está morta.”, como nos relembra Mauro. 

Por fim, a água (da piscina) está limpa. Mauro passa a olhar para mar e, talvez, identificar na sua imensidão um pouco da mãe, ou a mistura de sentimentos que transbordam frente à sua partida, e por não saber o que fazer com tudo o que sente. Com “Pérola”, Benício dá pistas da potência que seu cinema pode ter, sobretudo por abordar temas que, de uma forma ou de outra, alcança e toca o grande público.

3 Nota do Crítico 5 1

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