Mostra Um Curta Por Dia 2025

Pequenas Coisas Como Estas

Um filme de superfícies e bombas

Por Fabricio Duque

Assistido presencialmente no Festival de Berlim 2024

Pequenas Coisas Como Estas

É, parece que a tradição da Berlinale de escolher o longa-metragem de seu início continua “fiel” à estrutura comercial e padronizada, com seus gatilhos comuns narrativos; roteiro facilitado e de degustação palatável; manipulação exagerada de sentimentalismos mais óbvios, teatralizados e superficiais; e calcada na ideia-necessidade obrigatória do final feliz. E mesmo que se diga que este – por tentar mascarar uma forma mais independente e cult – não se parece tanto com Hollywood, como o artifício de incluir tempos mais “contemplativos”, ainda assim há clichês, explícitos e numa confortável zona de construção, como por exemplo, uma lágrima (cenográfica) em um só olho escorrendo pelo rosto sem emoção (ainda que potencialize a música sentimental para manipular empatia e comoção), o uso (e abuso) da câmera lenta (para “chamar” o passado à cena), as metáforas básicas (frágeis e inconsistentes) para sinalizar a memória-causa sôfrega desse antes.

Integrante da mostra competitiva ao Urso de Ouro do Festival de Cinema de Berlim 2024, e também o escolhido como o filme de abertura deste evento alemão, “Pequenas Coisas Como Estas”, do realizador belga Tim Mielants, busca ser uma obra, assumida e intencionalmente, de ficção mais romanceada, que acontece em 1985, de denúncia sobre uma “ferida aberta” (mas pouco conhecida) de um acontecimento do passado recente, que perdurou ate 1996, em que pais (conservadores e preocupados com a “honra” das aparências sociais) abandonavam suas filhas grávidas em conventos. Lá elas eram colocadas para trabalhar (nível de escravidão), e seus bebês vendidos a famílias ricas (foram mais de dez mil crianças). O filme, baseado no livro homônimo de Claire Keegan, que escreveu em 2021 (e em 2022 ganhou o Prêmio Orwell de Ficção Política), imprime um tom mais superficial e mais de conceito cênico em seu roteiro ao retratar um desses casos. Na coletiva oficial de imprensa, o diretor disse que seu longa-metragem é sobre “diferentes formas de luto”.

Talvez a resposta da narrativa de “Pequenas Coisas Como Estas” esteja na análise da carreira de seu cineasta, majoritariamente de séries. Uma delas é a terceira temporada de “Peaky Blinders: Sangue, Apostas e Navalhas”, em que trabalhou com o protagonista Cillian Murphy. E que mesmo sem querer, isso respinga e reverbera na forma do cinema. Como disse, este filme almeja de verdade – é perceptível – adentrar na atmosfera mais artística, por um tempo narrativo que observa mais, sem pressa, numa contemplação estendida em planos longos (pelo menos no início), para depois mudar o tom aos cortes mais rápidos. Parece mesmo que nós já vimos este filme. Como alguma obra de Paul Thomas Anderson. Parece que “Pequenas Coisas Como Estas” traz muito dos filmes anteriores de Cillian, como “Ventos da Liberdade”, de Ken Loach, por exemplo. Mas talvez o que me incomoda mesmo é a interpretação robótica, sem nuance algum, do ator irlandês de “Oppenheimer”, o homem-bomba. Tudo aqui remete a obras com trabalhadores em comunidades remotas e dotadas de segredos e ilegalidades. 

“Pequenas Coisas Como Estas” é mais um filme-detalhe sobre o mundo-cão, de participantes desistentes, que de vez em quando tentam ajudar e não compactuar com as “coisas erradas”. É também uma crônica intimista sobre esse caso considerado um dos mais sádicos e cruéis da História. É também um filme de cenas, de instantes, que quer o conceitual da imagem atrelada (pelo exercício da câmera e seus ângulos não usuais, mas vazios e ingênuos – ora desfocados e por reflexos que se atravessam em vidros molhados) à força derivativa da trama. É também um filme que busca ser o “novo” Charles Dickens, o mais popular dos romancistas ingleses da era vitoriana, só que bem mais inocente e para isso preciso da amizade e cumplicidade positiva do espectador. “Dormir tarde não é bom para ninguém”, disse alguém neste roteiro coach de ser – e que mostra que todos ali julgam preconceituosamente tudo o tempo inteiro, nem a Madre Superiora “escapa do inferno”. E há ainda muitos outros também. Como buscar a crítica aos “feitos” da Igreja Católica.

A narrativa de “Pequenas Coisas Como Estas” também quer acontecer de forma paralela, por duas histórias. E assim, o filme comporta-se do início ao fim com interpretações de efeito, mais didático e de maniqueísmo estereotipado. É uma obra que quer ser uma cebola, mas que, talvez, por preguiça, só descasque as duas primeiras camadas mais superficiais, estas que geram a reação das lágrimas (mas ainda assim verdadeiras e críveis – diferente deste longa que abriu o Festival de Berlim. Confesso que eu teria vergonha de apresentar um filme tão melodramático numa terra mais realista às dores e às emoções sentidas.

2 Nota do Crítico 5 1

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