Direção: Haim Tabakman
Roteiro: Merav Doster
Elenco: Zohar Shtrauss, Ran Danker, Tinkerbell, Tzahi Grad, Isaac Sharry, Avi Grainik.
Fotografia: Axel Schneppat
Trilha Sonora: Nathaniel Mechaly
Montagem: Dov Stoyer
Produção: David C. Barrot, Rafael Katz
Distribuidora: Filmes do Mix
Estúdio: Arte / Filmförderung Hamburg Schleswig-Holstein / Israel Film Fund / Keshet Broadcasting / Pimpa Film Productions / Riva Filmproduktion / Totally
Duração: 91 minutos
País: Israel/ Alemanha/ França
Ano: 2009
COTAÇÃO: BOM
A opinião
Um “suposto” arrombamento, logo ao inicio do longa do diretor estreante Haim Tabakman, despeja a inferência do querer ao retorno de um aprisionamento. Os medos geram as defesas do entregar-se sem ressalvas. As repetições, massificadas por tantos, ganham forças nas regras do radicalismo religioso.
Num bairro ultra-ortodoxo de Jerusalém vive Aaron Fleishman (Zohar Strauss), pai de quatro filhos e administrador do negócio da família, um açougue kosher, herdado depois da morte de seu pai. O mundo observador das regras de Aaron se transforma completamente com a chegada do jovem estudante Ezri (Ran Danker). Ambos começam a passar um tempo junto, e por períodos cada vez maiores, levando Aaron a decidir se vai voltar à morosidade anterior ou se entregar à relação com o rapaz.
A solidão e a tristeza, ambas resignadas, esperam uma solução contra o ócio dos instantes, que acontecem optando pelo estado óbvio e sem sentimentos. O estar automático é recorrente, deixando um vácuo no vazio. Com o falecimento de seu pai, Aaron precisa de um funcionário e o acaso cuida disso. Ezri entra pedindo para usar o telefone, porque precisava ligar para um amigo dizendo que já havia chegado em Jerusalém. Esse amigo não retorna a ligação e o deixa a deriva, sem eira nem beira. A vida misteriosa desse homem revela-se aos poucos e cria sentimentos confusos e tumultuados no dono do açougue. A falta de sutileza incomoda. É direto demais assim como um filme de temática gay. Mas o modo como o roteiro conduz a trama provoca apenas o incomodo e não o erro em si, por causa do tratamento de tempo, de aprofundamento de questões delicadas e o próprio questionamento da fé judaica.
“Descanso e ócio levam ao tédio que leva a loucura”, diz-se enquanto oferece emprego ao jovem que acaba de chegar. Ezri diz que veio para estudar em uma escola, alterando a verdade dos fatos. “Eu daria qualquer coisa para você estudar”, divaga-se com autoridade e compaixão. Os laços constroem-se rapidamente. Como se um dependesse do outro. Como se um fosse a catarse do outro. Como se o outro fizesse despertar novamente a felicidade da vivencia.
As reuniões religiosas contrastam com o discurso apresentado. As limitações pensantes de alguns aumentam o mergulho na doutrina apresentada. “Quem pecou pela alma passará sacrifício”, reza-se em ensinamentos. “Deus não quer que o homem inflija dor em si mesmo”. O filme objetiva reflexão do certo e ou errado, mas não julga, apenas retrata o desespero da alma por tentar ser diferente do que a sociedade, neste caso uma comunidade ultraconservadora, prega. “Amar as dificuldades. Ser um servo de Deus é uma luta diária”, conversam trocando conhecimentos, escritos ou vividos.
Há a metáfora da prisão, do sufoco, quando mostra um inseto dentro de um saco fechado. O entrave do querer é ameaçado pelo desejo latente e real da posse do outro. A trama explicita a sutileza do momento, exagerando na forma de transmissão ao espectador. Esse acréscimo é a própria essência visceral do ser humano, que tem como símbolo o elemento carne crua dos animais. Nada mais realista e normal do que o interior exposto. É o próprio instinto bruto e sem as mascaras sociais. Há os sinais, como a mão no ombro do “funcionário”, o banhar-se no local de purificação e o dito “Estou ocupado” para quando antes era de primordial importância. A maldade está nos olhos dos outros, destes indivíduos de comunidades, que lutam e compartilham das mesmas idéias, e que fazem de tudo para que a imposição de suas vontades prevalece aos demais. Os ditames baseiam-se sempre na fé, na boa moral, na repercussão que atos impuros destruíram o sagrado.
O pré-julgamento, exacerbando a hipocrisia, exalta e dilacera a exposição das rachaduras e as limitações de ser de cada um. O exercício é ser contra a preguiça do pensamento. Entender é complicado. E mais fácil repudiar. O repudio é causado pela alienação, pela entrega total ao não questionamento e pelo carisma dos líderes de um grupo. Pode-se resumir ao medo referente à quantidade de vezes que se pensa sobre um determinado assunto. Torna-se verdade absoluta e mitiga-se a coragem para embrenhar-se por outros mundos.
O tema é importante, porém a maneira que o roteiro transpassa esses questionamentos, não convence tanto. O filme apresenta-se como uma novela com temática gay, que manipula quem esta do outro lado da camera à espera de um beijo chocante. As cenas íntimas são bem realizadas, mas falta a ousadia, ficando em cima do muro.
O primeiro momento busca-se a resistência do desejo. No outro, a entrega acontece por não se agüentar mais impedir a vontade. Os dois estão ali. Solitários. Em um momento de carinho, a figura da religião descola-se da cabeça, ficando solta e aberta a novas experiências. Na próxima cena, eles olham um homem repetindo o seu radicalismo, como um transtorno obsessivo compulsivo. “Se um homem sucumbir ao pecado, mesmo com as transgressões do passado, Deus fornecerá um novo desafio”, diz-se lendo no Talmude, o livro sagrado dos judeus.
Os casais dormem em camas separadas. Quando desejam copular, as juntam. Com as aceitações praticas, vive-se melhor o modelo embutido. O conservadorismo versus a impotência do agir em um engarrafamento com buzinas freqüentes. É o passado versus a modernidade. As criticas estão lá. Um versus o outro. Coloca-se em xeque as jogadas impostas de uma comunidade e seus princípios. “Ele é impuro”, grita-se. Ser impuro não é ter afeição por outro do mesmo sexo, ou não ser judeu nato, a real impureza está na destruição da vida dos outros, em determinar o comportamento, em despertar inveja da felicidade alheia. Há uma cena muito interessante: quando os dois estão conversando, passa um carro e reflete, pelo vidro do carro, que outros estão os observando.
“Eu estava morto. Agora estou vivo. Preciso dele”, resume-se com a frase de definira como essa trama terminará. A água purifica, faz amar e faz morrer. “É minha tendência ruim que tomou conta de mim”, finaliza-se.
Vale a pena ser visto pela coragem do tema apresentado, mas peca pela própria falta de ousadia. Para alguém que nunca viveu uma experiência daquela, o personagem principal parece não criar resistências. Um bom filme. Selecionado para a mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes em 2009 e prêmio de Melhor Ator (Zohar Shtrauss) do Festival de Jerusalém.
Haim Tabakman é um diretor e editor de Israel que faz a sua estréia na direção com o filme “Pecado da carne”. Tem 34 anos. “Quando eu faço um filme, desejo sentir realizando meus sonhos”. Mora em Tel-Aviv. Fez vários Curtas-metragens “Free Loaders”, “The poet’s home” e o documentário “Collaborators”.
1 Comentário para "Pecado da Carne"
Em verdade, não vejo o ato de quebrar a corrente como a vontade de retornar a uma prisão. Aaron quebra a corrente e o cadeado como aquele que é invadido pela raiva, raiva de ser forçado a levar adiante um negócio que não é vocação sua.
A referência a um extremismo religioso é uma subjetividade; é preciso olhar com os olhos do outro, por vezes. As regras entregues a Moisés é uma tábua de normas, segue-as quem puder e tiver esse anseio, por desejo ou por imposição.
Interessante como as percepções são coisas extremamente mutáveis. Quem saberá se a falta de sutileza não seja a opção do diretor? Até mesmo a visão de Aaron sobre pecado e abstinência entra em conflito com o que prega o rabino, que sempre enaltece uma saída para o pecador. Para Aaron, o ato de pecar deve ser rechaçado.
Na tradução, a frase seria “Eu teria dado qualquer coisa para poder estudar” ao invés de “Eu daria qualquer coisa para você estudar”.
O ser diferente do que a “sociedade” prega não aplica-se aqui. O ensinamento não é da sociedade ortodoxa, mas do Talmude, seguido pelo povo judeu ou, pelo menos, por grande parte dele. A vigilância ininterrupta do que o outro faz é, todavia, uma invasão.
Há um momento, no primeiro encontro entra Ezri, o aprendiz, e a família de Aaron, onde a esposa de Aaron serve uma pequena porção de carne ao esposo, dizendo “Aaron come pouca carne”. Depois de descobrir a relação entre Aaron e Ezri, num segundo jantar, ela prepara para o marido um prato repleto de carne, talvez explicitando que o esposo por agora esteja faminto pela carne do amante.
Não percebo falta de ousadia nas cenas mais íntimas. Só o fato de levar o tema da homossexualidade para dentro do ambiente ultra-ortodoxo judeu já é extraordinário. O intuito que perpassa a trama não é o de chocar, mas de explicitar a existência da homoafetividade em lugares onde menos se espera.
Belíssima colocação à respeito do deslocamento da religião, quando o quipá não mais se equilibra sobre as cabeças de Aaron e de Ezri, embora ambos tentem mantê-los no lugar. Oss quipás, todavia, tendem a escapar.
Uma das cenas mais fortes é quando eles voltam ao açougue, vindos da sinagoga, depois de um dia de estudos. Aaron sabe que irão se deitar. Aaron tenta fugir, afastando-se da porta de ferro, mas Ezri arranca-lhe o molho de chaves da mão. Ezri rapidamente tenta puxar o pesado portão de ferro, enquando Aaron tenta impedí-lo. Aaron diz: “Não posso continuar com isso. Eu tenho uma família, uma mulher, filhos”. Ao que Ezri responde: “Eu só tenho você.”
Conversando com a roteirista do filme, Merav Doster, descobri que o fato de Aaron submergir na fonte, na cena final, não significou um afogamento premeditado. Disse ela que Aaron pode voltar à superfície, mas o diretor preferiu deixar o final em aberto.