Mostra Um Curta Por Dia 2025

Parque de Diversões

Alices saciando desejos no universo da pegação

Por Fabricio Duque

Mostra de São Paulo 2024

Parque de Diversões

Ricardo Alves Jr. é um cineasta que “nada contra a maré” ao transgredir a forma da criação artística. Diferente dos filmes do gênero erótico que buscam um “acolhimento” mais comercial a fim de “facilitar” seus lançamentos nos cinemas, como por exemplo “Motel Destino”, de Karim Aïnouz, e/ou “Baby”, de Marcelo Caetano, o realizador brasileiro, em questão aqui, quer manter sua autoralidade intacta, totalmente livre e sem amarras da indústria, afinando-se a obras mais orgânicas de Daniel Nolasco, Gustavo Vinagre, Albert Serra e de João Pedro Rodrigues (e seu “O Fantasma”). Podemos dizer que os filmes do realizador brasileiro, em questão, participam de um genuíno meio queer bem mais raiz, bem mais sensorial aos instintos e muito mais tesudo que os citados anteriormente, isso tudo porque aqui não se encena o desejo e sim os explicita sem pudor algum, como forma e alimento vital a própria construção da personalidade. 

Em seu mais recente filme “Parque de Diversões”, Ricardo, ao lado do roteirista Germano Melo, vai além e personifica em tela a pulsação viva do universo cruising (a famosa “pegação”procura por sexo e lugares públicos), especialmente quando captura a invisibilidade desse imaginário voluptuoso, permitindo, sem limites e com estímulos, por estes seres que dão prazer a seus desejos e a seus fetiches mais animalescos e lascivos, entre doses não mensuradas e não contadas a seus vícios. Dessa forma, suas personagens estão livre, leves e soltas para aproveitar e explorar as infinitas possibilidades fluidas de seus desejos, sem nenhuma preocupação (tampouco hesitação em agir o querer) com o mundo externo e os perigos que geram medos e máscaras protetoras ao tentar ser o que já se é. 

“Parque de Diversões” é na verdade uma experiência imersiva. Um estudo de caso. Um portal a um mundo paralelo, com um que utópico de “Alice no País das Maravilhas”. Uma fenda no tempo e no espaço, que os suspende e capta o espectro do exato instante vivido. Um universo alternativo dotado de sims e de transcendências sexuais, ora pelo gozo, ora pelo ato em si do sexo explícito, ora pelo toque sugestivo, ora pelo olhar individual, ora coletivo e/ou com todo ora junto e misturado. O longa-metragem é uma viagem de sentidos. Uma sinestesia orquestrada pela irracionalidade de um mente que direciona seu “possuído” a uma única vontade. “Parque de Diversões”, que ensaia uma explicação mais poética e tradutora no início, entre “cacos, novos segredos, jogos estraçalhados, vertigens, brinquedos quebrados”, “esgotando os níveis do ser”, nos conduz pelo tom sensorial. De traduzir na narrativa os efeitos consequentes da observação de espera pré-ação (mapeando os “objetos” que causam mais frisson e arrepios no corpo): a agitação, ansiedade, expectativa e surpresa, num road movie à pé pelas ruas noturnas e soturnas da cidade, em busca unicamente de “atender” o próprio desejo que desespera o peito até conseguir o que se quer. E realmente não está nem aí para uma discussão de gênero “todes”, mas incluir sim toda forma corporal “limitada”, pela cegueira, por exemplo, de receber por “acessibilidade” o prazer narrado. 

A narrativa de “Parque de Diversões” acontece pela estrutura de cinema direto, quase em forma documental, e é construída por uma fotografia neon, que inclusive metaforiza a casualidade mais superficial, ainda que este instinto venha totalmente de dentro, desintegrados de consciência. O longa-metragem intercala o acompanhamento fragmentado a cada uma de suas personagens até que uma delas toma a atividade da transgressão ao transpassar uma “propriedade privada” e consequentemente suas motivações subjetivas e bem particulares ao prazer. Talvez o que os estimula a se entregarem tão sem limites seja o fato de tudo ali ser casual. Passageiro. Sem chances a um namoro depois. Chega-se, olha-se, transa-se e fim de mais uma noite de “diversão”. 

“Parque de Diversões”, quase cem por cento sem diálogos, quer tentar também definir este meio abordado. De que são “vampiros” solitários e/ou zumbis “devorando um ao outro” que se retroalimentam pelos fluídos energéticos do desejo. Alguns ali só olham. Outros só cheiram. Mas saciam sua sede e seu vício com mais uma dose. No começo, ainda há critérios. No final, essa vontade incontrolável e selvagem se torna tão fisiológica que não há mais nenhuma seletividade. Nesse mundo alterado é normal encontrar atravessamentos surreais com alguém tocando uma saxofone e/ou com a dança aleatória de “Atomic”, da banda Blondie. É “o olhar de uma criança que está descobrindo o mundo”, diz-se. Ainda que possa parecer que o filme se utiliza de propósitos vazios, “Parque de Diversões” prova ser completamente o inverso: de personificar a invisibilidade desses desejos. E tudo com horário de funcionamento determinado: o período da noite. Concluindo, “Parque de Diversões”, que nasce já como uma obra de arte, é recorte estético, preciso e cirúrgico de um dos muitos dias e lugares que esses seres saem à caça para renovar seus fluídos corporais, acalmar suas volúpias no cio e saciar seus gozos. 

5 Nota do Crítico 5 1

Conteúdo Adicional

Deixe uma resposta