Os Fortes
A descoberta de si no outro
Por Victor Faverin
Durante o Festival de Cinema de Gramado 2020
O longa-metragem de estreia do diretor e roteirista Omar Zúñiga, “Os Fortes” (2020) é, por essência, uma obra de sutilezas. O filme, que representa o Chile na Mostra Competitiva do 48º Festival de Cinema de Gramado, diz muito com o olhar, seja na expressão facial do protagonista ao ouvir a irmã falar com o pai pelo telefone ou no incômodo não verbalizado que o cunhado sente ao ter um hóspede no meio de uma crise conjugal. Se tais aspectos estivessem presentes em uma trama interessada em dinamizar sua história ou impor um ritmo artificialmente acelerado, poderia cair em uma armadilha que incomoda os espectadores e é odiada pelos críticos: os diálogos expositivos. Nada tão absurdo quanto um astronauta explicando para um companheiro de profissão o que é um buraco negro, como em “Interestelar” (2014), mas, ainda assim, momentos que nivelariam o público por baixo. Esse não é o caso.
Ainda assim, a simplicidade da história de “Os Fortes” pode deixar um gosto de “quero mais” por quem a assiste, talvez à procura de subtramas que a movimentem e que, no final, ofereçam uma recompensa. A intenção do diretor, no entanto, é transmitir a naturalidade de um encontro de almas e corpos, a entrega gradativa, o equilíbrio entre a intensidade de um e a sutileza do outro e como tudo pode ou não se complementar. Como diriam nossos avós, “as coisas acontecem quando têm de acontecer”. Por isso, o longa aposta em uma narrativa fluída, sem quebras abruptas.
Nessa atmosfera, até mesmo o apito de uma chaleira tem função narrativa ao interromper a primeira relação sexual entre Lucas (Samuel González), o jovem que está de passagem pelo Chile para visitar a irmã e Antônio (Antonio Altamirano), o contramestre de navio pesqueiro que é tão envolvido e entranhado com a cidade em que mora que também divide os dias encenando a guerra que originou a independência do país e teve na região uma das principais batalhas (o nome do longa faz, inclusive, referência aos fortes militares instalados na região). Para uns, a casa é onde se pendura o chapéu, ao passo que para outros tudo além do horizonte faz a vida perder sentido. O desejo de pertencer a um lugar e ser parte de alguém pode ser o objetivo em comum entre duas pessoas, mas a forma como essa vontade se manifesta em cada uma será, provavelmente, diferente. “Os Fortes” explora muito bem esse contraste, ainda que careça de maiores obstáculos para obter essa constatação durante todo o percurso.
Tal distinção da personalidade dos personagens centrais é evidenciada na ocupação e passatempo de cada um deles. Um é arquiteto e passa as horas vagas a desenhar paisagens e construções, o outro foca nos planos de comprar o próprio barco e ter mais liberdade no mar. O jeito prático de levar a vida destoa do artístico. Um vem de origem humilde e o outro é mais abastado. Por isso, tais antíteses nos fazem pensar que “O segredo de Brokeback Mountain” (2005) foi uma clara inspiração a Omar Zúñiga, tanto pela relação fisicamente vigorosa entre os personagens quanto pela ambientação em meio às montanhas. Mas enquanto o longa estrelado por Heath Ledger e Jake Gyllenhaal usava o sexo como plano de fundo a uma história de repressão e machismo escancarado, conceitos “explicados” em virtude da época em que o longa foi ambientado, “Os Fortes” traz sequencias mais livres, habilmente filmadas para serem mais reais e menos teatrais. É a cópula do início de uma relação, tão intensa e sedenta de descoberta quanto pode ser.
É curioso, portanto, que a sexualidade de Lucas desperte mais reações belicosas em sua família, insinuada pela trama como composta por pessoas esclarecidas em um ambiente de mais requinte, do que na cidade cuja atividade econômica central é a pesca, feita por homens que, diz o senso comum, são mais rústicos e conservadores. É nesse ponto que subverte estereótipos que reside outro importante trunfo do filme. Seria de esperar que Antônio evitasse o contato em público com Lucas, mas é ele quem procura. Nesse ponto, o longa explora a busca de cada um de nós por amansar o monstro sempre à espreita da solidão. Como disse Jon Bon Jovi, nenhum homem é uma ilha.