Curta Paranagua 2024

O Verde Está do Outro Lado

O Verde Está do Outro LadoO verde esta do outro lado

Relevante, mas problemático

Por Pedro Guedes

 

 

Ver um filme como “O Verde Está do Outro Lado” em um momento como este é algo, no mínimo, peculiar. Enquanto as florestas de Rondônia e da Amazônia são relegadas às chamas, constituindo uma tragédia ambiental que deveria receber muito mais atenção do que infelizmente vem recebendo, chega aos cinemas um documentário que toca em um assunto que tem a ver com um problema crônico do Brasil (a falta de água) e que, no Chile, tentou ser resolvido quando caiu nas mãos dos neoliberais, mas que continuou a atormentar a vida de muitos de cidadãos. É uma pena, no entanto, que a execução do filme em si não faça jus ao seu potencial, sofrendo sérias dificuldades em estabelecer qual será o foco da discussão propriamente dita.

Dirigido pelo estreante Daniel A. Rubio, o documentário gira em torno de uma questão em comum – como um país deve administrar a água, um dos bens mais preciosos para o ser humano – e aborda simultaneamente os modos como duas nações latino-americanas lidaram (e ainda lidam) com essa questão específica: por um lado, a gestão da água foi privatizada no Chile e isso abalou consideravelmente a vida de agricultores, famílias e cidadãos que ainda moram/trabalham na zona rural; por outro, o Brasil está cada vez mais entregue às ideias neoliberais e às privatizações, aproximando-se cada vez mais do modelo econômico que o Chile adotou em 1980 em vez de seguir tratando o Estado como responsável pelo meio ambiente, pelo saneamento básico e pela distribuição/manutenção de água.

De um ponto de vista temático, “O Verde Está do Outro Lado” não poderia ser mais relevante – ainda mais se considerarmos o contexto do Brasil em plena semana em que o filme é lançado (a Floresta Amazônica, comumente reconhecida como “coração do mundo” está ardendo em chamas e o governo vem tomando medidas cada vez mais neoliberais, buscando entregar à iniciativa privada diversas prioridades que deveriam ser do Estado).

Assim, Rubio nos apresenta a diversos momentos que se concentram em passeatas do povo exigindo água e que mostram como boa parte da população chilena foi prejudicada pela privatização em geral, ao passo que os brasileiros – principalmente aqueles que vivem em áreas rurais – seguem sofrendo com a carência de água e com o descaso de líderes políticos (e a participação do deputado Glauber Braga, do PSOL, serve para evidenciar sua derrota diante dos colegas de Câmara, cada vez mais interessado em aprovar medidas entreguistas e neoliberais).

O problema, por outro lado, é que Rubio jamais consegue determinar o foco de suas bases argumentativas: embora dedique boa parte da projeção a somente mostrar a realidade de seus entrevistados, o diretor ainda assim falha em conferir dimensão aos personagens que surgem na tela – sim, nós vemos aquelas famílias declarando seu sofrimento e sua luta, mas… o longa não vai além disso, parando em um ponto particularmente superficial.

Além disso, a forma como Rubio estabelece os paralelos entre Brasil e Chile é tremendamente inconsistente, já que em momento algum o realizador consegue interligar a realidade de um país à do outro de maneira orgânica; em vez disso, o diretor apenas faz um panorama geral de ambos os contextos e salta entre um e outro sem nenhuma lógica interna. Neste sentido, a impressão que fica é de que “O Verde Está do Outro Lado” consiste em dois filmes diferentes, mas que foram reunidos através de uma montagem desconjuntada.

Como se não bastasse, o documentário ainda decepciona em seus aspectos formais, apresentando-se terrivelmente frouxo em termos de ritmo (embora dure apenas 80 minutos, sua projeção flui como se durasse bem mais do que isso), limitado em termos de ideias (como já falei, falta se aprofundar mais no dia a dia daqueles entrevistados) e até mesmo deselegante em termos estéticos (os letreiros, os efeitos que “puxam” os inserts e as transições entre as cenas soam “baratas” demais, como se tivessem sido feitas apressadamente para um vídeo-ensaio apenas razoável de YouTube).

Ainda assim, “O Verde Está do Outro Lado” lida com um assunto tão pertinente que torna-se difícil simplesmente ignorá-lo, transformando-se em uma experiência que erra bem mais do que acerta, mas que ainda merece ser conferida. E é justamente esta relevância que faz do projeto, como um todo, uma decepção.

3 Nota do Crítico 5 1

Conteúdo Adicional

Pix Vertentes do Cinema

Deixe uma resposta