O vazio que atravessa
Brumadinho e Impunidade
Por João Lanari Bo
Durante a Mostra Tiradentes 2022
O documentário do jornalista Fernando Moreira, “O vazio que atravessa”, exibido na Mostra Tiradentes 2022, é contundente: optando por captar a intimidade de algumas das vítimas, o filme repercute e reverbera o clamor contra a impunidade que cerca a tragédia de Brumadinho, no trágico 25 de janeiro de 2019, há pouco mais de três anos. Delicado em seus registros e testemunhos, somos confrontados com o vazio psíquico que tomou parentes e amigos dos que pereceram no desastre. Uma obra pungente.
A enxurrada que matou 272 pessoas e poluiu o rio Paraopeba – ainda restam corpos desaparecidos – foi um evento catastrófico, que desnudou uma faceta perversa do Brasil moderno: somos um país subdesenvolvido, onde uma empresa capitalista de alcance global, a Vale, foi capaz de provocar um acontecimento como esse e continuar impune, graças ao exército de advogados sofistas contratados e a notória morosidade (para não mencionar outros aspectos) do Judiciário brasileiro. Brumadinho foi, a exemplo do que ocorreu antes em Mariana, uma tragédia anunciada: tudo indica que a Vale sabia dos riscos e não tomou as medidas adequadas porque teria que paralisar atividades no local e interromper os lucros. Para quem estava ao alcance da lama avassaladora, trabalhadores e moradores, foi uma sentença de morte. A jornalista Cristina Serra escreveu na Folha de São Paulo, no último dia 25 de janeiro:
Com tudo o que se sabe sobre o caso, é doído fazer algumas perguntas: por que uma das maiores mineradoras do mundo construiu um refeitório e os escritórios no pé da barragem, contrariando o simples bom senso? Por que a empresa não levou em conta alertas de especialistas? Por que os órgãos de fiscalização não cumpriram o seu papel? Por que estes se dobraram ao poder da Vale?
E, finalmente, por que o Judiciário brasileiro não foi capaz, até agora, de julgar os responsáveis? As respostas a essas questões tão elementares preenchem de dor, sofrimento e revolta a vida dos que perderam amores e amigos na voragem da lama mineral, tão violenta que até hoje não foi encontrado nenhum vestígio de seis vítimas.
“O vazio que atravessa” termina com a resposta habitual que a Vale utiliza, quando questionada sobre as causas da tragédia e a impunidade que prevalece até hoje: as vítimas estão sendo assistidas. Nesse exercício macabro de public relations, a empresa desdobra-se em obras assistenciais, financiamento cultural (onde se inclui a própria Mostra Tiradentes) e, naturalmente, muito lobby político. Para quem quiser maiores detalhes, a recomendação é o livro “Brumadinho – a engenharia de um crime”, dos jornalistas Lucas Ragazzi e Murilo Rocha, impressionante reconstituição dos fatores que levaram ao desmoronamento da barragem. E que ninguém, absolutamente ninguém, assumiu até agora a responsabilidade.