Curta Paranagua 2024

O Último Duelo

Alea Jacta Est

Por Bernardo Castro

O Último Duelo

“Le vrai est ce qu’il peut; le faux est ce qu’il veut.”, Madame de Duras. Na onda de Ridley Scott de adaptar eventos históricos e obras literárias passadas ambientadas nos mesmos períodos, surge “O Último Duelo”, a mais nova obra do diretor. Baseado no livro homônimo, a trama, que se passa durante a infame Guerra dos Cem Anos, capta a essência de uma França devastada pelos constantes embates com o Reino Unido. No cerne destes conflitos, outro enredo toma forma e ganha os holofotes: um escândalo de abuso põem em jogo uma já decadente amizade entre dois fidalgos e heróis de guerra franceses. O resultado dessa desavença: um duelo até a morte, com Deus como árbitro da disputa. Com os avanços dos estudos da psicologia e das relações humanas, passou-se a dar mais atenção ao impacto de traumas psicológicos e, por conseguinte, aumentaram-se os esforços para que estes fossem, dentro do possível e do que requerem as circunstâncias, mitigados.

Logo, existem certos temas que, ao serem tratados, exigem daquele que os aborda um pouco de sensibilidade e sensatez. Ao falar de um tema tão delicado como o abordado no filme, o realizador demonstra o mínimo das qualidades supracitadas e preza pela versão da mulher. Em uma narrativa – contada de forma não linear, que gira em torno das relações entre os personagens, é interessante como, aos poucos, ele conduz o espectador a despertar um sentimento de ojeriza para com os homens. Exigiu três atuações distintas de todos os personagens. “O Último Duelo” é dividido em três atos: a história pela perspectiva de Jean de Carrouges, interpretado pelo ator Matt Damon, a mesma pela perspectiva de Jacques Le Gris, vivido por Adam Driver e, para concluir, a verdade segundo Marguerite de Carrouges – quem dá vida à personagem é a atriz Jodie Comer, conhecida por seu papel na série “Killing Eve”.

Em ato, uma perspectiva. Cada perspectiva, ao mesmo tempo, complementa as outras e as contradiz. Para o espectador mais experiente, é possível ver leves traços de personalidade, muito bem traduzidos pelas brilhantes atuações, que tornam viável e aceitável os comportamentos aparentemente inusitados dos personagens sendo vistos pela perspectiva alheia. O personagem de Matt Damon resume perfeitamente a tese: ele, no primeiro ato, é um homem amável e injustiçado, passional, mas honrado. No segundo, começamos a ver com mais detalhes o temperamento dele e o quanto isso afeta suas relações com a nobreza. Por fim, chegamos ao terceiro ato, que o mostra como um fidalgo decadente e amargurado, que usa a situação da esposa como pretexto para uma vingança contra o seu próprio rival. As mesmas cenas são mostradas por ângulos diferentes nos vários, mostrando diferentes inflexões de acordo com o caráter subjetivo dos seres humanos multifacetados que compõem a mise-en-scène.

Durante as duas horas de “O Último Duelo”, Ridley Scott dá espaço de tela para o desenvolvimento de cada um dos personagens, que são construídos quebrando os estereótipos nos quais estes foram anteriormente encaixados, rompendo com a representação dicotômica dos personagens hollywoodianos comuns. O uso de simbologia e o famoso foreshadowing é recorrente. Os signos, que remetem ao crime cometido por Jacques Le Gris são referenciados constantemente, como na cena em que o cavalo foge e cruza com a fêmea puro sangue, arruinando os planos de conceber um novo cavalo puro sangue. Em uma das cenas do segundo ato, onde, imerso no mundo de libertinagem e boemia do conde Pierre, vivido por Ben Affleck, Jacques comete o mesmo crime com outra mulher, estabelecendo uma rotina ou evidenciando o modus operandi do personagem e ressaltando o quão verídico é o depoimento de Lady Marguerite.

Em termos técnicos, apesar do orçamento milionário de “O Último Duelo”, a fotografia não agrega grandes inovações e nenhuma disrupção ou mudança significativa na linguagem cinematográfica. Usa-se alguns movimentos de câmera básicos nas primeiras sequências, e alguns enquadramentos padrões, como o uso de um plongée no Conde Pierre, que o coloca acima ou superior aos outros enquadrados. Como última ressalva, este filme não é recomendado para pessoas traumatizadas, em virtude de seus possíveis gatilhos. Ele retrata um tema sério, por mais que com as devidas precauções, que pode gerar um incômodo ou despertar traumas. Prezar pela saúde mental e evitar se expor a esse tipo de coisa, nestes casos, é mais do que necessário.

3 Nota do Crítico 5 1

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