O Último Amor de Casanova
Direção sem paixão de uma obra que fala sobre a ausência do amor
Por Adam William
Durante a Mostra de São Paulo 2019
O que uma mulher pode oferecer a um homem que já tem tudo? A rejeição. É praticamente esta a ideia que rege os 98 minutos de “O Último Amor de Casanova” (Dernier Amour), que traz ao cinema um lado pouco explorado do conquistador. Ao invés de contar sobre suas aventuras com tantas mulheres, Benoît Jacquot opta por explorar justamente a história daquela que se tornaria a única não conquistada por Giácomo Casanova (Vincent Lindon), a prostituta Marianne de Charpillon (Stacy Martin). Quando o protagonista decide contar sua história, voltamos 30 anos no passado para conhecer a responsável por fazê-lo passar pelo amor que viria a ser sua queda.
O que vem a seguir em “O Último Amor de Casanova”, apesar de começar como um interessante jogo de sedução, se torna rapidamente um cansativo jogo de gato e rato. Um ciclo vicioso onde vemos o controle da situação passar entre Casanova e Marianne sem saber, de fato, aonde este irá chegar. Lindon traz a seu Casanova um bem-vindo ar trágico ao personagem. A ele, cuja história representa sua maior vitória – o amor real – e também sua maior derrota – o sofrimento que veio junto desse amor –, resta o cansaço e amargura de uma vida, transmitido pelo olhar e voz. Funciona, justamente por testemunharmos tal tristeza tomando o lugar do encanto que se instalava em sua figura na presença de Marianne.
A forma como ele é retratado – um homem cuja fama de conquistador é exatamente isso: uma reputação –, passa a sensação agridoce de que haveria muito mais a ser explorado a seu respeito. Já Stacy Martin entrega em sua performance um equilíbrio adequado entre a sutileza e a sensualidade, a malícia e a pureza, dificultando ao espectador dizer quando ela está sendo manipuladora ou não. Tentar desvendá-la é algo que Casanova e o público terão dificuldade em fazer. Aspectos como o design de produção e a trilha sonora seguem a cartilha de produções de época, com belas músicas clássicas e recriações de lugares e figurinos do período retratado – século 18, para ser mais preciso – que beiram à perfeição.
Entretanto, há de se refletir sobre as intenções de Jacquot e do diretor de fotografia Christophe Beaucarne ao optar por uma fotografia de tons acinzentados, como se até mesmo aos cenários lhe faltassem vida. Ao mesmo tempo, traz uma ambivalência à obra que combina com a sensação de incerteza sobre as intenções de Marianne – como na sequência em que eles se beijam pela primeira vez –, mas que cansa em dado momento, pois embora saibamos exatamente como a história irá terminar – por sua narrativa ser contada em flashback –, o roteiro se repete demais sem chegar a algum lugar de fato. Algumas cenas, por exemplo, ressaltam o sentimento de solidão de Casanova, mas não agregam na narrativa além disso.
Questionamos tudo a todo instante, pois é impossível acreditar ou desacreditar completamente dos protagonistas. Casanova está perdidamente apaixonado ou é apenas seu orgulho ferido por uma mulher que resiste às suas investidas? E Marianne, está interessada em dinheiro, apaixonada ou apenas satisfeita com o controle do outrora conquistador? Assim como aos personagens, falta ao texto de Jérôme Beaujour uma direção a ser seguida. Uma vez que a dupla permanece na ambiguidade por tempo demais, Beaujour demora a chegar a um ponto de virada que possa mudar a relação deles, seja para aproximá-los ou afastá-los de vez, embora saibamos onde iremos chegar.
Na sequência do labirinto, há um flerte com isso, mas – ironicamente – é apenas mais um momento onde o texto dá voltas e se perde para chegar ao ponto de partida. E em um momento seguinte, quando há um clímax de fato, já é tarde demais para despertar o mínimo interesse. Para uma obra que traz como tema central o amor e a falta deste, é curioso notar que falta um sentimento genuíno à todos os aspectos de “O Último Amor de Casanova”. Desde as boas atuações à figura complexa do protagonista, nada realmente parece despertar algo que faça brilhar os olhos de Benoît Jacquot de modo que ele possa transformar sua obra em algo maior e mais intensa. É uma pena, pois de amores brandos, o de Marianne basta.