Sensibilidade real
Por Pedro Guedes
E lá vamos nós para mais uma young adult novel que abusa de clichês, diálogos artificiais, arcos dramáticos batidos e tentativas de dialogar com a geração millennial que já nasceram datadas. O mais frustrante, no entanto, é que o filme em questão poderia ser mais do que apenas mais uma obra no meio de tantas outras: há um discurso a respeito de diversidade que, além de fundamental aos tempos atuais (onde a intolerância e a tentativa de combater a liberdade individual só vêm crescendo), tinha tudo para acrescentar algum frescor a uma história que naturalmente lida com aspectos que já foram vistos em vários romances. Mas não é o caso de “O Sol Também é uma Estrela”, um longa bobinho, melodramático e sem estrutura.
Escrito por Tracy Oliver a partir do livro homônimo de Nicola Yoon, o roteiro nos apresenta a Daniel Bae e a Natasha Kingsley: o primeiro é um filho de imigrantes sul-coreanos que quer entrar numa faculdade de Física; a segunda é uma filha de jamaicanos que deseja viver seu sonho (o de permanecer em Nova York), mas é frustrada pela ameaça de ser deportada junto à sua família daqui a 12 horas. Ao descobrir que Natasha não acredita no amor, Daniel resolve testá-la e aos poucos começa a conquistar sua atenção – e é claro que uma paixão irresistível vai unir os dois jovens, que se amarão perdidamente, viverão momentos intensos, imaginarão um futuro lindo e glorioso… em menos de 12 horas. Porque o tempo pode ser um canalha, mas não é páreo para o amor.
E isto é romântico, de fato. Havia potencial na premissa – afinal, sensibilidade é algo que existe neste projeto. O problema é que “sensibilidade” não é sinônimo de “água com açúcar”: entregando-se a um melodrama sempre denunciado pela trilha de Herdis Stefánsdóttir, que se mantém do primeiro segundo ao último e sempre faz questão de mastigar tudo que o espectador deverá sentir do início ao fim, “O Sol Também é uma Estrela” já começa com Daniel avistando Natasha e se interessando pelo “deus ex machina” que está escrito no casaco da garota (olha o simbolismo óbvio aí). A partir daí, o filme se entrega a diálogos que estão sempre se superando no que diz respeito à artificialidade – e sei que posso estar exagerando, mas… não é meio questionável que Daniel comece a se aproximar de Natasha porque decidiu que tentaria conquistá-la (como se o que motivasse o impulso do rapaz não fosse a personalidade da moça, mas o desejo de provar-se capaz de algo)?
Aliás, a direção de Ry Russo-Young faz jus ao roteiro açucarado de Oliver, criando momentos dolorosamente cafonas e esteticamente limitados ao beabá de tudo quanto é young adult novel – e o hábito que a cineasta tem de ilustrar passagens de tempo através de planos que enfocam paisagens e detalhes aleatórios é particularmente irritante, sendo igualado somente pelas tomadas aéreas que se deslocam em um movimento circular sem qualquer propósito aparente. Como se não bastasse, o longa não apresenta qualquer estrutura em sua narrativa, já que esta se limita aos momentos que se concentram na dinâmica entre Natasha e Daniel (através, claro, de clichês e diálogos pavorosos), a um ou outro conflito que demora a ser desenvolvido e a interlúdios musicais desnecessariamente longos, superficiais naquilo que representam e que soam como interrupções dentro da história.
Por outro lado, Russo-Young, Oliver e o montador Joe Landauer tomam uma decisão que funciona bem: pausar pontualmente a narrativa e recapitular um pouco do passado dos protagonistas, o que, além de estiloso, confere algum dinamismo ao projeto. Além disso, é importante reconhecer a importância de uma história que gira em torno de dois filhos de imigrantes que desejam construir uma vida nos Estados Unidos, mas que vivem sob ameaça de serem deportados – e isto é fundamental, pois ajuda a estabelecer o filme como um documento de sua época e como um reflexo das políticas nacionalistas e intolerantes de Donald Trump. (Ainda assim, é possível apontar certo cinismo aqui, já que o sonho dos protagonistas é… permanecer nos Estados Unidos.)
Para completar, não os atores por trás do casal principal se esforça para atingir o melhor resultado possível, mesmo sendo eventualmente sabotados pela fragilidade do roteiro e da direção: Charles Melton encarna Daniel Bae como um jovem espirituoso, cheio de ambições e sincero em suas declarações (embora, como já disse anteriormente, seja duvidoso vê-lo encarar a parceira como “prova” de que conquistou alguma coisa); e Yara Shahidi transforma Natasha Kingsley numa persona doce, mas que se destaca mesmo por causa de sua personalidade intrigante, de sua postura questionadora e de seu intelecto admirável.
Assim, é uma pena que “O Sol Também é uma Estrela” continue a ser sabotado pelo excesso de água e açúcar presentes no roteiro. Quando o filme já começa escancarando o fato de Natasha “não acreditar no Amor” (sim, com inicial maiúscula), o espectador imediatamente pode imaginar que… bem, uma hora ou outra a personagem mudará de ideia. E nem dá para chamar isso de spoiler.