Direção: Lucas Belvaux
Roteiro: Lucas Belvaux
Elenco: Yvan Attal, Anne Consigny André Marcon, Françoise Fabian, Alex Descas, Michel Voïta, Gérard Meylan, Maxime Lefrançois
Fotografia: Pierre Milon
Música: Riccardo Del Fra
Edição: Danielle Anezin
Distribuidora: Serendip Filmes
Estúdio: Agat Films Et Cie, France 3 Cinéma
Duração: 125 minutos
País: França, Argélia, Bélgica
Ano: 2009
COTAÇÃO: EXCELENTE
“O Sequestro de um Herói” aborda o simbolismo das prisões sociais com regras que impedem o individuo ter controle total sobre os quereres. A liberdade de ir e de ser é fraudada por integrantes individualistas que só pensam nos próprios objetivos. Podemos inferir no novo filme do diretor belga Lucas Belvaux (de “Em fuga” e “Um casal admirável”) que quando um evento radical (a iminência de perder a vida pela escolha subjetiva do outro) confronta um cidadão, então as consequências são refletidas e decididas em pouco tempo. O sequestro é a metáfora da existência contemporânea. O participante do meio o qual vive necessita seguir padrões de costumes para a real sobrevivência. Se é rico, precisa agir com o bônus do poder. Se é desprovido economicamente, a resignação com submissão é a alternativa mais correta. O roteiro direciona o espectador a questionar o próprio universo em que se faz presente. E a pergunta é inevitável: Será que nos amam pelo que somos realmente ou pelo que possuímos? Será que nossa família e ou amigos pagariam o resgaste sem o nosso dever de restituição? É explicita a critica ao tratar a forma como a esta sociedade projeta ou destrói pessoas hierarquicamente. Há um ditado mais ou menos assim que diz “Quanto mais conheço os homens, mais me apego ao meu cachorro” pode resumir as ideias apresentadas e pretendidas. O longa baseia-se na história real do empresário (presidente) Stanislas Graff (Yvan Attal, de “Munique”, “Hora do Rush 3”), acionista majoritário, filho do inventor da caneta Bic, que é sequestrado. A sua vida não convencional põe em risco a sua libertação, já que família e os integrantes da empresa estão mais interessados ou nos escândalos ou no ressarcimento do valor de 50 milhões de euros (o preço do resgaste).
Os sequestradores utilizaram notícias de revistas e jornais a fim de embasar o argumento de que o Presidente tivesse a quantia, já que a figura de herói vaia bilhões. “É o faturamento da empresa, não meu”, defendia-se. O inicio mostra uma vida encenada, com elipses temporais de um cotidiano. Há a futilidade e a superficialidade proposital, que é percebida do meio para o final. A camera é um dos pontos altos pois passeia acompanhando personagens em planos longos, como a descida de uma escada. A música também complementa o que realmente o diretor deseja. Passa pelos anos setenta (extremamente nostálgica) até chegar ao falta total da trilha. O sofrimento questionador, por ambos os lados (de quem está na cadeira do cinema e ou quem está sentado perante os “homens maus”), apresenta-se sem música. É seco, direto e realista. Não há apelo ao sentimental. Aos poucos, a trajetória de vida de Stanislas vai sendo aprofundada: viciado em jogos de pôquer, amantes diversas, família dispersa, mãe interesseira e pai que tinha a mesma vida que ele leva agora. A narrativa, muito próximo a filmes do diretor Claude Chabrol, é típica francesa. A reviravolta principal do filme é feita sem enfeites. Acontece naturalmente com grau de realismo possível. Isso permite o convencimento e a “prisão” do espectador à trama. O protagonista repensa o que de importante há em sua vida. A morte, uma possibilidade próxima, o faz defender-se e de certa forma ganhar liberdade da hipócrita sociedade. O realismo continua tendo a visceralidade como aliada, exemplo a cena do corte do dedo. “Caráter e imagem precisam ser irrepreensíveis”, diz-se por alguém que está mais interessado no dinheiro do que na vida que será salva.
Os “amigos” negociam. Não querem pagar. Enquanto isso o terror psicológico pulula a mente do torturado. É um grande jogo do poder. Quem tem mais quer ter mais. Neste mundo não há tempo para “corações moles”. Yvan Attal, que vive o personagem principal, está excelente. A sua interpretação sutil não é percebida, tamanho o mergulho no papel. Ele transpassa maestria, poderio, resignação, medo, cuidado, prepotência, abandono, tudo por variações de um olhar perdido e que diz exatamente o que se espera do momento. “A opção sensata sempre foi uma”, diz-se. A narrativa conduz pelo viés da negociação. As etapas seguintes são definidas pelo decorrer das ações escolhidas. Por isso não é óbvio, porque todas as opções sã possíveis e dignas. Podemos dizer que é uma fábula do que o dinheiro representa em um mundo social. Há diversos “sequestros”. Cada meio e cada necessidade da ação já estão traçadas. Somos presos e sufocados pela família, pelo trabalho, pelos outros que convivem próximos. Não possuímos nenhum controle sobre nada. Apenas achamos. A figura da “sociedade” é indecifrável, mesmo assim todos a seguem por alienação ou por imposição. Os seus valores morais e as suas idiossincrasias contrastam no próprio querer. Há referência simbólica à história mitológica de Calypso, que era uma poderosa feiticeira e trazia em si o poder da vida e da morte. Zeus, o “chefe” enviou Hermes, um “sequestrador”, com ordem de libertar o “hospede”. Então, o protagonista do filme em questão viverá pela ótica do Calypso, entre a vida e a morte. Concluindo, um filme extremamente interessante e competente que faz questionar sobre o mundo mesquinho o qual vivemos. Vale muito a pena ser visto. Recomendo. Indicado a Melhor Filme, Ator (Yvan Attal), Diretor e Atriz Coadjuvante (Anne Consigny) no César 2010. A dinamarquesa Susanne Bier, ganhadora do Oscar deste ano por “Em um Mundo Melhor” realizará a refilmagem deste filme.
Lucas Belvaux nasceu em 14 de novembro de 1961, na Bélgica. Durante 20 anos, trabalhou como ator de teatro, televisão e cinema, incluindo a participação em Madame Bovary (1991), de Claude Chabrol. Dirigiu em 1992 seu primeiro longa-metragem, Parfois trop d’amour. Em 2002 realizou uma trilogia contendo os mesmos personagens: Un couple épatant, Cavale e Après la vie, pela qual obteve o Prêmio Louis Delluc 2003.