O Melhor Está por Vir
Avant de partir
Por Adriano Monteiro
Em primeiro lugar, é importante salientar a força que um bom roteiro pode ter no resultado final de uma obra audiovisual. Uma base bem estruturada, ainda que sem muitas inovações, é capaz de costurar a atenção do espectador ao produto com muita facilidade. Na comédia é ainda mais importante trabalhar o texto, ter cuidado com o tempo e as reações que, aliados a grandes atores e uma direção razoável, pode gerar um sucesso. É o caso de “O Melhor Está Por Vir”, trabalho interessante e redondo da dupla francesa formada por Matthieu Delaporte e Alexandre De La Patellière de “Qual é o Nome do Bebê” (2012). A parceria gera um longa capaz de se movimentar com muita facilidade entre os gêneros cômico e dramático, partindo de lugares-comuns, o que às vezes pode ser sinônimo de previsibilidade, mas que, aqui, não fere muito o objetivo de emocionar.
É possível enxergar um controle dos autores com sua obra, um certo profissionalismo ao conduzir os acontecimentos. Inovar, inventar reviravoltas, levantar o público da cadeira não parece ser a preocupação dos realizadores. Desde a sinopse dos dois melhores amigos viverem os últimos momentos juntos após descobrirem que um não tem muito tempo de vida, parece ser um pouco batido, ou retirado de algum episódio do seriado norte-americano “This is Us”. A referência mais fácil é a da famosa produção norte-americana “Antes de Partir” (2007), estrelada por Morgan Freeman e Jack Nicholson (avant de partir, aliás, é a tradução literal do título brasileiro para o francês). A diferença, no entanto, não vem da originalidade, mas em como se utiliza de uma premissa básica para, ainda assim, entregar algo encantador.
O encanto, aqui, pode ter se dado pelo carisma invejável dos atores principais. Arthur (Fabrice Luchini – conhecido dos brasileiros por ter estrelado “O Mistério de Henri Pick“, que aportou por aqui no Festival Varilux 2019) e César (Patrick Bruel) parecem responder a uma dinâmica própria e a química entre os dois floresce a cada situação constrangedora em tela. A comicidade flui, ao contrário do drama, que algumas vezes esbarra no sentimentalismo banal. Outro fator de encantamento é como o câncer é tratado de forma orgânica pelos seus personagens, atravessando a todos como um tabu, difícil de ser lidado, mas que vira objeto de brincadeira sem constranger quem assiste. Algumas discussões e piadas, no entanto, soam datadas, não pelo conteúdo, mas pela forma. A adolescente revoltada, a mulher divorciada (mas ainda apaixonada pelo marido) e o solitário em busca de confirmação são alguns dos tipos da classe média francesa que soam muitas vezes desgastados.
Nem tudo são flores, portanto, em “O Melhor Está Por Vir”, pois ao mesmo tempo que tenta se distanciar de uma novela, acaba entrando na série televisiva (os créditos iniciais a la “Succession”, com imagens encenadas para parecerem de arquivo podem confirmar isso). Como longa-metragem, seu roteiro, ainda que com uma jornada muito bem construída de altos e baixos e um final feliz (sim, achei feliz), quer explicar tudo. Não deixa brechas, o que pode ser entediante nas quase questionáveis duas horas de projeção. Ao optar por um caminho tradicional, o óbvio consegue se transformar de melhor amigo a pior inimigo em alguns instantes, mesmo não comprometendo a experiência como um todo. Após os primeiros minutos do filme já é possível perceber que não haverá muitas surpresas.
No entanto, é admirável a construção dos personagens, com cada um respondendo às suas próprias questões, sejam elas existenciais ou não. É interessante a forma como o contraste entre os dois protagonistas se configuram. Sem muitos conflitos, o longa-metragem consegue fotografar com beleza uma amizade real, com uma espontaneidade merecedora. Há uma naturalidade e, também, humanidade nos temas abordados. Não chega a ser complexo (também não precisa), mas acaba por se tornar na medida em que as relações humanas se mostram mais palpáveis. O resultado é rico por se expandir para além da tela do cinema.
“O Melhor Está Por Vir” funciona como uma válvula para um universo cinematográfico que procura no cotidiano as histórias mais nobres. Essa fórmula para alguns pode parecer chata, mas para quem busca um cinema mais verborrágico pode ser um deleite. Ainda que muitas emoções soem baratas, a centralidade em torno dos dois atores principais e suas relações com o mundo triunfa. Embora, como sugere o título o “Melhor” que está por vir não chega a tempo de surpreender. O que resta é o desfrute de uma obra sem intenções de ser mágica, mas que se torna magia mesmo assim. Até porque, apesar de inúmeras variações da fórmula cinematográfica, ainda é fácil identificar o que é um bom filme.