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O Intruso

Teorema remodelado pela revolução explícita

Por Fabricio Duque

Assistido durante o Festival do Rio 2024

O Intruso

Assistir a um novo filme do realizador canadense Bruce LaBruce é mergulhar, sem redes de proteção e sem preciosismos de um padrão cinematográfico já pré-determinado, em seu universo criativo, que é de caos visual, em forma orgânica e desconstruída, praticamente um tratamento de choque estético (em suas telas coloridas e seus sons “sirenes”), de ideologia utópica quase amadora) e direto ao transmitir a mensagem-metáfora. Em sua mais recente obra, “O Intruso”, exibido no Festival do Rio 2024, a narrativa busca a ambiência espectral, de metafísica real, tática, palpável e de possibilidade coloquial, captando instantes em poesias marginais à moda de Charles Bukowski. Tudo apresentado aqui é uma “viagem” de ficção científica e também uma experiência instintiva, passional, intensa, fisiológica, sexualizada e em processo atravessado de transcendência; e quer representar a máxima essência da ideia pensada. 

“O Intruso” é uma fábula-performance política de “guerra”: fascistas versus humanos. Em um mundo que mais retrocede pela animalidade dos comportamentos sociais e relações interpessoais, em seus valores e moralidades, Bruce traz neste filme um sopro cru e nu da verdade espelhada de uma realidade que soa muito surreal e estranha, entre a desistência e a lucidez. Sim, há algo de “Matrix”, só que em versão à moda de Michel Gondry. Este longa-metragem quer construir uma distopia ao trazer a questão da imigração das “baratas”, especialmente a de um homem preto intergaláctico em uma mala ilegal e objetificado sexualmente por seu corpo (incluindo seu sangue e seu cocô). Em tempos de Donald Trump, “O Intruso”, com narração de uma personagem nazista (“gás neles; exterminem!”) é uma necropsia de nossa contemporaneidade, intimista, necessária e vista com liberdade poética do próprio pensar, assim nós espectadores conseguimos parar e questionar todas essas opiniões automatizadas que temos sobre as pessoas e as coisas. Forasteiros versus humanos. 

“O Intruso”, proibido a menores de dezoito anos, é também uma experiência visual de punk-sadomasoquista-queer não binária, psicodélica-neon, de nostalgia atemporal, em luzes estroboscópicas que simulam o transe coloquial com um que oitentista de Cindy Lauper a la John Waters. Tudo aqui, um processo criativo de um artista underground, é aumentado ao exagero, ao estereótipo e ao efeito, para assim adentrar num que mais direto de “Salò ou os 120 Dias de Sodoma”, de Pier Paolo Pasolini, e não deixar dúvidas quanto a sua mensagem de “possessão”. Tudo aqui é propositalmente amador e mais caseiro. Essas atitudes, abusos, seduções, signos sociais, uma desconstrução da burguesia (em decadência fetichista) e a inversão do poder querem reverberar mudanças a uma “democracia sexual” e colocar e discussão a “liberação anal já”, pudores, tabus e a nudez. “Possua o possuidor; Coma os ricos!”, grita-se. Mas “O Intruso” não quer ser uma obra pornográfica, não almejam causar “tesão” no público. As cenas de sexo explícito são um forma imagética para expor um manifesto revolucionário de que o “sexo não tem fronteiras”, é “apolítico”. 

O longa-metragem quer criar imbroglio, quer nos imergir nas questões mais universais das sociedades desde os primórdios do tempo. O que motiva mais o ser humano? Os instintos sexuais ou seus valores morais. O incesto ou a satisfação do próprio prazer. O que gera a culpa e o medo? A religião? E o antes como era? Todos iam para o inferno? “O incesto é demais, desde que fique tudo em família”, diz-se. “O Intruso” é assumidamente uma obra política passional. “Foder o capitalismo”, essa é a ideia primária, apresentada em um close rebuscado e articulado. É um filme sobre a verdadeira liberdade: a que sentimos, a que não mascaramos para os outros, a que está intocada em nosso subconsciente, esta que nos protege pela apatia resignada, mas também nos estimula a lutar por causa de nossas insatisfações, vulnerabilidades e frustrações. 

“O Intruso” é sobre um artista transgressor (alter ego de Bruce) que não tem a menor paciência e a menor tolerância para o convencional, para o conservadorismo, para a letargia submissa em receber (e/ou produzir) a arte. Bruce disse que o filme nasceu de uma “nuvem”, após ter assistido com um amigo “Teorema” (1968), de Pasolini. Se o filme do italiano nos conduz pela trama mais à “futilidade da existência” pela narrativa surreal (plantando assim “discórdias” pensantes em cada um dos membros da família “vítima”), a do canadense, que de forma autoral moderniza a história, dá bem mais coloquialismo palpável a esse surrealismo, porque diferente de lá sua intenção é ser ultra mega direto ao objeto transmissor de sua mensagem. “O Intruso” é isto: causar pensamentos intrusivos e bagunçar de uma vez por todas nossas zonas de conforto. 

3 Nota do Crítico 5 1

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