Curta Paranagua 2024

O Inferno de Henri-Georges Clouzot

Paraíso aos cinéfilos

Por Fabricio Duque

O Inferno de Henri-Georges Clouzot

Em 1964, o cineasta francês Henri-Georges Clouzot, autor de grandes clássicos como O Corvo e As Diabólicas, começa a filmar “Inferno”, um projeto original e enigmático de grande orçamento, drama delirante sobre as alucinações de um gerente de hotel na Provença enlouquecido de ciúmes pela esposa. Estrelando Romy Schneider e Serge Reggiani, o filme era destinado a ser um grande evento em seu lançamento. Porém, após três semanas de filmagens delirantes, o projeto foi interrompido, e as imagens já feitas permaneceram inéditas por mais de 40 anos. Os diretores Serge BrombergRuxandra Medrea recuperam as imagens e contam a história desse filme interrompido, uma magnífica tragédia à frente e por trás das câmeras.

Entender a carreira de um cineasta, principalmente de Henri-Georges Clouzot, é necessário conhecer a sua historia e suas manias. Cada diretor possui técnicas, convencionais ou pouco ortodoxas, que o caracteriza. O personagem principal deste documentário apresenta a simetria, a perfeição e enquadramentos meticulosos. Ele desejava, além do objetivo de fazer um filme, fruto desta profissão cinematográfica, revolucionar o cinema, assim como Frederico Fellini fez em 8 ½. Clouzot experimentava estilos, novas tendências e artes modernas demais para a época. Ele resolveu filmar “Inferno”, não sabendo que a loucura do personagem o influenciaria e que a vida iria imitar a arte, já que a sua existência tornou-se o próprio titulo de sua epopéia.

O diretor Serge Bromberg juntou-se a Ruxandra Medrea, e com a autorização da viúva de Clouzot, eles tiveram acesso aos 185 rolos do filme não finalizado. O material possuía horas e mais horas de testes de elenco, de luz, de figurino, e de várias repetições de uma mesma cena. De posse de tudo isso, o documentário ganha corpo. Assim nasceu “O Inferno de Henri-Georges Clouzot”.

Há depoimentos com as pessoas da equipe do filme, do amigo cineasta Costa-Gravas, com fotos e trechos do filme passando ao lado e ou atrás, que tentam explicar o porquê de não ter dado certo um projeto que era perfeito. “Toda a ansiedade de Henri não o deixava dormir, e ele não deixava ninguém dormir também. Queria trabalhar no roteiro as quatro horas da manhã”, dizia-se. Essas mesmas pessoas não entendiam o que o diretor fazia. “Patologia indecifrável, entre o mórbido e a epifania demais”. Há também trechos de entrevista com o próprio cineasta, imagens de seus filhos, com narração sarcástica e ingênua, assim como quase todo legitimo francês.

“Chegava ao um ponto de virar neurose”, expõe-se o cansaço da época tantos anos guardados. “Era um roteiro mais físico do que intelectual. As imagens precisavam estar perfeitas, com isso, preocupava-se com a interpretação dos atores”. A cena do trem é “fisiologicamente agonizante”. Uma mulher presa na linha do trem quando o mesmo vai se encaminhando dela, até parar em cima, por milímetros, sem clichês e óbvios redundantes. Romy Schneider fazia a cena. “Uma grande atriz francesa, apesar de ser austríaca”. Ela aceitou confiar nele e fazia tudo que ele a pedia. “Era perfeccionista. Um homem difícil no mau sentido. Como vou suportou 18 semanas de filmagem?”, ela disse. Serge Reggiani, responsável pelo não termino do filme por esgotamento insuportável, depressão cansaço e irritabilidade de não ver resultados, era o ator principal escolhido e sobre ele diziam “Tinha cara de noz”. Há, na trama, a introdução da “sedução e da duvida”, sobre uma das atrizes.

Em “O Inferno de Henri-Georges Clouzot”, nós sabemos que “Inferno” tomou proporções enormes. Havia americanos na equipe. “Adotou o estilo hollywoodiano”, dizia-se. “Ele filmava quatro horas por dia”. A preparação detalhada do storyboard, com as mudanças de planos, que tinha que ser igual à cena do filme, era “a loucura transformada em equações”. Clouzot recebeu muitas criticas, principalmente dos participantes da Novelle Vague, incluído Claude Chabrol, mesmo tendo rodado um roteiro de Clouzot em 1994, com Emmanuelle Béart no lugar de Schneider. Este estilo era a improvisação com uma câmera na mão. “Eu improvisava no papel”, ele dizia.

“Uma nova forma de usar as imagens. Um universo pictório”, dizia-se. Clouzot interessou-se por arte cinética. E tentava fazer um novo cinema deformando o universo do cinema com suas imagens surreais e interativas. Paralelo a esta arte, “namorou” a musica eletroacústica, manipulando vozes, que alimentava o ciúme do personagem. O objetivo era multiplicar suas suposições, criar a tortura mental.“A musica tinha que ser a força matriz do filme”, dizia-se.

“Os testes dele eram delirantes”, afirmava um da equipe. Ele trabalhava com invenção de cores, sem utilizar os efeitos especiais do laboratório. As experimentações eram estudadas, inserindo os atores nesta linguagem cinética, nestes “coitos óticos” de zoom in e zoom out até o “orgasmo final”. “Não sabíamos para que os testes”, dizia-se.

“Havia tanta gente, que os horários de almoço eram divididos”, dizia-se. Ele usava a forma sensual dos elementos psicodélicos, com imagens sobrepostas e trabalhava com um “aproveitador de milímetros”. “Ele parecia desnorteado”, tentava-se explicar o porquê do filme ser postergado a terminar. Um dos motivos era sem duvidas a obsessão por tornar a imagem perfeita. Ele refilmava varias vezes a mesma cena. O documentário mostra as imagens sem o som do filme, a fim de que o espectador percebesse e fosse introduzido no universo do material bruto. Em outro momento, os atores, de agora, dialogam o roteiro. “Ele era torturador, cínico. Era a marca dele. Exigia muito dos atores e da equipe”,dizia-se.

“Talvez um dos problemas do filme fosse a falta de um produtor (já que Clouzot era o próprio produtor) que o mostrasse a idéia de produtividade do cinema, que pudesse colocar limites em suas idéias”, dizia-se e complementava-se “Todo diretor já chegou em um momento que não sabe o que fazer com a equipe em volta”, explica-se o fato do diretor estar perdido e mesmo assim querer mais imagens. Clouzot teve um infarto. E a opinião geral era que ele não iria continuar com aquilo e que “entraram em uma fria”. “Se arrancarmos a raiz é o fim”, disse o diretor que faleceu em 1967, “um dos grandes diretores de cinema”. Vale muito a pena assistir. Passeia pelo processo de construção de um filme, com seus problemas e limitações. Recomendo.

5 Nota do Crítico 5 1

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