O desejo de uma resposta
Por Pedro Guedes
O desejo é algo que merece ser estudado mesmo que nunca venha a ser esclarecido de forma definitiva. E, neste caso, não me refiro somente ao desejo sexual, mas ao desejo em geral, à vontade eterna de buscar uma salvação. Não há uma resposta objetiva que possa calar todas as teorias acerca do desejo – não é à toa que, mesmo depois da Filosofia e da Sociologia passarem séculos se debruçando em cima do tema, diversas teses sobre o desejo continuam surgindo por aí. Para Arthur Schopenhauer, por exemplo, a vida humana se resume ao tédio e ao desejo, fazendo com que o indivíduo viva sempre com vontade de conquistar e de saciar alguma carência pessoal. A nossa vida inteira, portanto, é reduzida ao “querer”, mesmo que nós não façamos a menor ideia do que queremos.
Assim, é de se esperar que um documentário chamado “O Incerto Lugar do Desejo” identifique-se com tudo que acabei de relatar no parágrafo anterior, consistindo em uma longa busca pelo significado e pelo sentido do desejo propriamente dito. Dirigido por Paula Trabulsi, o longa toma como ponto de partida uma mulher, Ana Thereza, que está prestes a concluir seu doutorado com uma tese sobre… o desejo – e, com isso, o documentário encontra uma espécie de “desculpa” narrativa para que, a partir daí, comece a se concentrar em diversos depoimentos de filósofos, sociólogos e professores que relatam suas visões particulares a respeito do “querer”, da vontade eterna (e nebulosa) que o ser humano tem de alcançar… alguma coisa. Sendo assim, de onde vem o desejo? Como ele ganha forma? E, principalmente, o que ele significa de fato?
Ao longo de seus brevíssimos 70 minutos de projeção, “O Incerto Lugar do Desejo” dá voz a figuras como Lúcia Rosenberg, Luiz Felipe Pondé, Peter Pal Pelbart, Ciça Azevedo, Alexandre Cumino, Clóvis Barros Filho, André Trindade, José Miguel Wisnik, Constanza Pascolato, Nina Pandolfo e outras mais. Desta maneira, o documentário cria um emaranhado de ideias e pensamentos distintos que fornecem, para o espectador, uma série de possíveis interpretações que o levem a uma reflexão pessoal – aliás, o principal acerto de Trabulsi consiste na forma como estabelece o objetivo do filme: em vez de se preocupar com uma resposta definitiva que acabe com todos os questionamentos do público a respeito do desejo, a diretora prefere bombardeá-lo com diferentes linhas de raciocínio, permitindo que ele chegue às suas próprias conclusões. E isto faz sentido, já que, como falei no parágrafo introdutório, a discussão acerca do desejo já é antiga e, pelo jeito, não terminará nunca.
Em contrapartida, chega um momento em que “O Incerto Lugar do Desejo” começa a soar redundante, já que os depoimentos oferecidos pelas figuras listadas anteriormente nunca chegam a pontos muito específicos – e se por um lado isso é instigante, por outro também limita um pouco as conclusões que o filme pode tirar como obra artística, tornando-se prolixo e cansativo depois de um tempo. Além disso, Trabulsi raramente demonstra qualquer tipo de ambição formal na maneira como realiza seu trabalho: sim, as sequências “fictícias” (obviamente planejadas e ensaiadas) que mostram Ana Thereza em um parque são interessantes e estabelecem um contraponto eficiente às entrevistas que tomam conta da maior parte da projeção; ainda assim, essas entrevistas são geralmente filmadas e interligadas de maneiras pouco inspiradas, algo que se torna ainda pior graças à trilha sonora, que é sempre empregada como uma muleta dramática óbvia, tola e excessiva.
Apesar dos pesares, é difícil não se sentir nem um pouco intrigado com “O Incerto Lugar do Desejo”, já que a discussão apresentada pelo projeto vem se prolongando há séculos e não parece pronta para terminar tão cedo. E isso nos faz refletir a respeito de nossas próprias condições como seres humanos: afinal, por que vivemos sempre aflitos, incompletos e querendo… sei lá o quê? Que vontade é essa que sentimos de buscar uma salvação? Será que estamos mesmo fadados a uma existência composta apenas pelo desejo? Estaremos sempre querendo alguma coisa e este “querer” é o que nos faz persistir como espécie vivente? Seja como for, o fato é que o debate não acabou e nem acabará tão cedo – o que, na prática, serve como mais um indício de como a Humanidade é um fenômeno incrivelmente complexo.