Curta Paranagua 2024

O Homem Ideal?

O Homem Ideal? M’esperarás

Neurótico da Carnificina

Por Jorge Cruz

 

 

Perceber pretensões em um projeto cinematográfico é uma armadilha comum para muitos daqueles que gostam de analisar e falar sobre cinema. Todavia, quase sempre o pretensioso passa a ser justamente aquele que faz uma leitura carregada de desnecessária erudição. Por isso, é sempre mais seguro e justo que se tente captar os objetivos alcançados pela própria obra, sem obrigatoriamente definir quais foram propostos.

O Homem Ideal?” é um projeto que nos permite conhecer o trabalho de Carles Alberola, experiente profissional do teatro valenciano. O longa-metragem espanhol é uma adaptação de peça escrita por Alberola e encenada pelos mesmos quatro atores desde 2013, quando ganhou inúmeros prêmios. A adaptação do roteiro e a direção é do próprio Carles, que originalmente pensou os diálogos na língua valenciana, um dos cinco grande dialetos do catalão. O resultado é uma comédia romântica que atinge os objetivos que boa parte de quem procura essas produções quer encontrar.

Ao longo de “O Homem Ideal?” é possível identificar algumas palavras ou sotaques que fogem daquela a qual nos acostumamos ao ouvirmos o espanhol. O texto de Alberola tenta pinçar alguns aspectos da vida de Valência, como o apogeu e queda do time de futebol do mesmo nome. Também é nítida nas menções à crise econômica do país o quanto isso afetou a rotina dos seus cidadãos. Nesse quadro, após um prólogo extenso em que uma longa narrativa ambienta o espectador, somos colocados na sala do apartamento do cinquentão Rubèn, vivido pelo próprio Carles Alberola. A grande extensão do cômodo impressiona, mas rapidamente um telefonema da mãe do protagonista nos mostra que, na verdade, ela é a proprietária da casa e aluga ao filho, que deposita o combinado com certa preguiça.

A experiência de Alberola em teatro faz com que “O Homem Ideal?” seja formulado com ambientação precisa e boa fluidez. Os aspectos espaciais, sociais e psicológicos de Rubèn desfilam na tela de forma rápida e eficiente, tornando os diálogos que se seguem pelos 90 minutos do filme em uma conversa de amigos de longa data que não nos deixa confusos em nenhum momento. Requisitos fundamentais para que uma comédia romântica se torne divertida ao público são cumpridas. Há quebra de expectativa quando vemos que aquele homem solteiro, que tanto se esforça para fazer parecer ter controle de sua própria vida, trocaria toda sua estabilidade por um amor intenso.

Tanto o roteiro quanto as escolhas da edição brincam com repetições, jogos visuais e espelhamentos. Sem contar os desencontros e mal entendidos típicos de uma obra que cativa por aproximar o espectador adulto de uma situação quase inescapável da vida: um relacionamento amoroso. Caracterizar o humor de Rubèn como mecanismo de defesa é fundamental para que a maneira de interpretar de Carles Alberola possa se destacar. Algo que transita entre a neurose, o metódico e o confuso, remetendo automaticamente a Woody Allen.

Sua estrutura se assemelha muito a “Deus da Carnificina” (2011, de Roman Polanski), já que se passa inteiramente na sala de um apartamento. Essa forma teatralizada, com marcações definidas, acabam provocando uma direção bastante convencional. Por óbvio, boa parte da força da história reside no texto. Esse está longe da tragicidade e crueldade do próprio roteiro do filme de Polanski ou das clássicas obras de Tennessee Williams. É difícil acreditar que Alberola quisesse chegar tão longe, mesmo que todas essas referências fiquem claras pelo caminho.

É bem poética a maneira como o casal vivido por Alfred Picó e Cristina García concluem em suas mentes o quão próximo de um relacionamento falido eles se encontram. Temos ali o exemplo banal que remete ao sexo protocolar, em que um já não tira mais a roupa do outro, atingindo um individualismo de prazer que vira desapego pelos sentimentos do parceiro. Também há revelações de casos de adultério e suas devidas motivações. Situações que se tornam não só escadas para que o texto e a veia cômica de Carles apareçam como cumprem o papel de contraponto, tornando o microcosmo daquela sala de estar duas pontas (início e fim) de um relacionamento.

Justamente por funcionar como microcosmo, “O Homem Ideal?” foge do erro de parecer teatro filmado. Não só pela boa trilha e a junção de pura comédia com encruzilhadas que desestabilizam o ambiente e criam certo suspense. Merece destaque as adaptações que o elenco faz em seu trabalho. Por serem os mesmo atores que encenaram por anos a peça por toda a Espanha, poderiam acionar o piloto automático, mas não fica essa impressão. Há linguagem corporal, jogos de olhares e brincadeiras com intenções que tornam o longa-metragem uma obra essencialmente cinematográfica, divertida e agradável.

3 Nota do Crítico 5 1

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