Curta Paranagua 2024

Nosso Amigo Extraordinário

Existências que interrompem o curso monótono da vida

Por Paula Hong

Nosso Amigo Extraordinário

Surpresas que interrompem o curso monótono da vida, da rotina adquirida ao longo dos anos, podem realocar ou, no mínimo, nos fazer repensar sobre a vida que levamos. “Nosso Amigo Extraordinário” remete a essa assimilação. E em meio à abundância de realizações cinematográficas cujo orçamento impressiona mais que as histórias, o diretor Marc Turtletaub opta pelo mais simples, dando conta de sensivelmente abordar, sem ser caricato, aspectos da velhice solitária de Milton Robinson (Ben Kingsley), Sandy (Harriet Sansom Harris) e Joice (Jane Curtin), cujos laços se estreitam por um segredo: a hospedagem de um alienígena, carinhosamente nomeado Jules (Jade Quon). 

O retrato de uma vida pacata no subúrbio da Pensilvânia é filtrado pela rotina de Milton: suas caminhadas até a Câmera, onde, assim como outros residentes, apresenta sugestões de melhorias para a vizinhança, e os afazeres domésticos que repetem o padrão de comer, lavar a louça, assistir TV e ir ao mercado, vez ou outra acompanhado pela breve presença da filha, Denise (Zoe Winters), cuja preocupação se resume à saúde do pai. A repetição também é marcada pelas sugestões, sendo sempre as mesmas: mudar o slogan da cidade e juntar as ruas que dificultam a caminhada até lá. Ao contrário de atestar insistência e importância, suas sugestões são lidas como o laudo de sua saúde, reforçando a preocupação de Denise pelos episódios de aparente esquecimento do pai. 

Como uma forma de atrasar a aceitação da sua condição de saúde, Milton ou dá de ombros, ou recusa as tentativas de cuidado da filha, se afastando dela para resguardar a independência que lhe resta. Sua rotina é abruptamente rompida quando uma nave aterrissa em seu quintal, destruindo as flores do jardim — algo que ele faz questão de pontuar algumas vezes. Sem contar a ninguém, sem questionar muito a situação, e, sem pressa, em um gesto de bondade, abriga e alimenta o alienígena machucado. Jules, ainda sem nome nesse momento do filme, não fala em nenhum momento do filme. Ele aprende, assim como nós, sobre Milton, sua vida e sua rotina através da convivência com o anfitrião, e dos breves momentos de silêncio entre um diálogo e outro, do dito-não-dito presente no subtexto apreendido. É por intermédio da companhia silenciosa de Jules que Milton reflete sobre sua vida — passada e presente. 

A passagem dos dias permite que nutram uma amizade. A existência de Jules na vida de Milton torna-se o elo através do qual a sua solidão é ofuscada pela companhia de Sandy e Joice. Aos poucos aprendemos, junto a Jules, que a solidão individual de cada um do trio se dá por razões e circunstâncias distintas, mas ao mesmo tempo comum para aqueles que ficam: filhos que seguem suas vidas, erros não resolvidos do passado, a morte de um membro da família, auto-isolamento.

O amigo alienígena que antes era mantido em segredo, e cuja existência é questionada por outros residentes da cidade, passa a ser o motivo pelo qual o trio se movimenta para ajudá-lo a voltar para casa — mesmo que isso custe sair em busca de gatos mortos pela vizinhança. As situações que passam para proteger e cuidar de Jules sublinham o apego inquestionável a ele. Percebe-se que sua presença, além de dinamizar suas vidas, por vezes substitui ou preenche, mesmo que momentaneamente, a lacuna de alguém que já não faz parte delas. A perspectiva de perdê-lo — por isso os cuidados para que não soubessem de sua existência — reabre feridas ainda não cicatrizadas. Ao passo que toca em assuntos mais profundos e existenciais, “Nosso Amigo Extraordinário” aborda tais questões pelo filtro de uma comédia mais leve, sem intenção de arrancar gargalhadas; no filme, ela é usada para aproximar os personagens entre si e com o público. Assim, a assimilação dessas sensibilidades chegam ao espectador com mais fluidez e leveza.

Embora a história possa não suscitar apreciação de um público grande, é difícil não simpatizar com os personagens ou relacioná-los a alguém próximo de nós. De um modo ou de outro, eles vão nos lembrar de alguém. Ou, no mínimo, nos fazer pensar sobre a senilidade e sua abordagem no cinema. “Nosso Amigo Extraordinário” é leve, calmo, simples e confortante dentro da narrativa clássica de início, meio e fim. A ausência de trucagens complicadas garante que funcione, respondendo às perguntas que faz ao longo do caminho. Assim como Jules, a obra pode ser um pouco desconcertante no começo, mas não é intimidadora. É, na verdade, convidativa para além das aparências.

3 Nota do Crítico 5 1

Conteúdo Adicional

Pix Vertentes do Cinema

  • Acabei de assistir ao filme Jules. Sensacional! Como na descrição: leve, calmo, simples e confortante! Recomendo com certeza!!

  • Ameii o filme. Porém o final que ficou muito a desejar, algumas questões não tiveram desfecho, como Milton falou a verdade sobre o alien e ficou taxado como “louco”, a morte do assaltante, a ausência dos filhos de Milton e Jane e outras questões. Eu senti falta desses desfechos.

Deixe uma resposta