Curta Paranagua 2024

Natimorto


Ficha Técnica

Direção: Paulo Machline
Roteiro: André Pinho, adaptado da obra de Lourenço Mutarelli
Elenco: Lourenço Mutarelli, Simone Spoladore
Fotografia: Lito Mendes da Rocha
Música: Érico Theobaldo
Figurino: Joana Porto
Edição: Oswaldo Santana
Produção: Rodrigo Teixeira, Paulo Schmidt
Distribuidora: Filmes da Mostra
Estúdio: RT Features, Academia de Filmes, Camisa Treze Cultural, Ipanema Entertainment
Duração: 92 minutos
País: Brasil
Ano: 2009
COTAÇÃO: ENTRE O BOM E O MUITO BOM

Apresentando a Sessão

Assisti ao filme “Natimorto” na primeira sessão do Unibanco Arteplex do Rio de Janeiro, as catorze horas da sexta-feira de estreia. A plateia consistia em quatro pessoas. Um senhor, pertencente da terceira idade, e um casal, que conversavam ininterruptamente. Os trailers apresentados foram “Se beber não case 2” e “O Palhaço”. Quando as luzes apagaram, troquei de lugar para que eu fosse prejudicado pelo falatório. Agradecimento especial ao gerente Rodrigo.

A opinião

“Natimorto”, baseado no livro homônimo complementado por “Um Musical Silencioso”, de Lourenço Mutarelli, mesmo autor de “O Cheiro do Ralo”, embrenha-se no universo idiossincrático de seus personagens. A subjetividade individualizada é enaltecida a fim de transpor à tela elementos como loucura, co-dependência, carência, covardia, medos, anseios, inteligência e vícios. A base definidora é o cigarro. O ato de fumar significa a metáfora da exclusão humana. O julgamento do outro é o ponto de partida para que dois viciados tenham embasamento às teorias divagadas. O objetivo do diretor Paulo Machline é mergulhar o espectador nas consequências surreais e epifânicas dos participantes que estão dentro da tela. E consegue. O seu longa é perturbador e incomoda. Quem assiste banha-se com a atmosfera depressiva e destrutiva. Um caça-talentos (Lourenço Mutarelli, o autor do livro) traz uma jovem cantora (Simone Spoladore) a São Paulo a fim de apresentá-la a um renomado maestro. Enquanto esperam o dia da audição permanecem num quarto de hotel, entre cigarros e cafezinhos, ele lê o futuro da cantora nas advertências dos maços de cigarro como se fossem cartas de tarô. É durante essa espera que serão reveladas suas verdadeiras intenções. As inúmeras inferências soam artificiais, faltando convencimento. Aos poucos, o grau de esquizofrenia toma a trama. A própria personagem critica o próprio roteiro.

“Essas ideias são interessantes para um livro, não para vivenciá-las todo o tempo”, diz. A possibilidade de definir o futuro por advertências dos maços de cigarro procura o politicamente correto. Quer ir de encontro às convenções sociais. O confinamento para eles, fumantes – a cada dia excluídos pelo vicio estimulado, serve de libertação. Não precisam conviver com o “não refinamento” do próximo. Eles são excêntricos e diferentes. Não desejam o senso comum. Em relação ao elemento interpretação, há altos e baixos. Falta o equilíbrio necessário à imersão total. A linha tênue não é respeitada. Ora exagerado, ora ingênuo, ora ruim. Mas há momentos incríveis. E muitas destes instantes são realizados pela Simone, como a cena que a lágrima sútil modifica a expressão facial. Porém ao mencionar a parte técnica, não há falhas. É sensacional. A fotografia é a mais importante e genial. A granulação da imagem, de cor pálida, sem vida, mostra lado pessoal, mudando cores, ângulos e focos em estágios psicodélicos e sensoriais, e hipnotizando a quem assiste.

Esse principal elemento técnico faz com que a atenção seja complementarmente conquistada, por se apresentar com o tom observador e intruso. A narração do inicio, humanizada e querendo mostrar a sistemática; o pôster do Licor Diabo na parede do hotel; a interatividade das cenas (quando a personagem olha para a tela); as digressões do passado; os espelhos; a prévia do final das situações para depois mostrar a sequência inicial; tudo tenta a todo custo tornar cúmplice de sofrimento quem está sentado na cadeira de cinema. É um típico filme feito para o espectador. Quer a sua presença, sua condescendência e sua permissão, quando retrata planos detalhes e intimistas que buscam a atemporalidade. O simbolismo existencial é recorrente. O monstro pode ser a própria imagem. Fumar pode ser deixar de viver a hipocrisia alheia. Ou pode ser uma fuga ao contraditório do próprio querer, que já se apresenta com contrastes intrínsecos. Intercala passado, presente e futuro numa narrativa linear. Eles fogem das “pessoas comuns”. A mudança da luz explica as mudanças internas em tempo real.

“Podemos dividir o mesmo maço para ter o mesmo destino”, diz-se. São devaneios rebatidos. “Não me sinto agredida pela sociedade, não sou assexuada e não gostaria de ficar presa aqui”, expõe o conflito do que realmente se quer. “A ideia é perturbadora e excitante”, diz-se no meio de vibrações musicais de ruídos. O casal experimenta o desprendimento de tudo e de todos. “O nada é ausência. Não há graça na ausência”, diz-se. As discussões entre eles caminham entre infantis, patéticas e de conteúdo – massificadas por frases de efeito que geram o clichê. No final, o diretor pensou “Sem limites”. Isso desencadeou a libertação do próprio roteiro. Tornou-se visceral, sem volta, depreciativo, buscando a morte, com vermes nojentos. “Natimorto é a perfeição. Faz da mulher, mãe. Mas não se polui com a crueldade do mundo”, define-se. Ali estão protegidos da coragem. São seres que não foram feitos ao mundo. Concluindo, um filme que possui uma fotografia fantástica, mas com altos e baixos no elemento interpretativo. Vale a pena sim assistir, mesmo com todos os clichês e obviedades apresentadas.

“Na realidade eu sou diretor contratado. Depois acabei virando produtor associado, mas no início o Rodrigo, produtor do filme, um dia me ligou e falou “leia esse livro”. A gente discutia há um tempo o projeto de fazer um filme de amor, eu sempre quis fazer um filme de amor que fugisse dos clássicos. Na época eu tava sem grana e ele comprou os direitos para cinema e teatro, a irmã dele faria teatro e ele faria cinema, comigo na direção. Eu já conhecia o Lourenço, mas me aproximei muito dele no trabalho da adaptação do livro. Queria ser o mais fiel possível ao universo dele. E aí apareceu essa janela para ele ser o ator, que a princípio não seria, porque isso nunca tinha sido cogitado. Uma daquelas idéias brilhantes que você pensa depois “como não pensei nisso antes”? E foi muito bacana, ele se entregou totalmente e a gente vê isso na tela”, finalizo com a palavra de Paulo Machline.

O Diretor

Paulo Machline iniciou sua carreira em 1989, como assistente de direção para filmes publicitários. Em 1994, passou a atuar como diretor. Em 1999, escreveu, produziu e dirigiu seu primeiro curta-metragem, Uma História de Futebol, pelo qual recebeu inúmeros prêmios, incluindo uma indicação ao Oscar em 2001. Em seguida, dirigiu episódios da série de TV Urban Myths. Entre 2002 e 2004, coproduziu um longa-metragem (Deus Jr, de Mauro Lima) e dois documentários. Em um deles, Filhos do Samba (2004), também foi responsável pelo roteiro e edição. Vive e trabalha em São Paulo, onde desenvolve e executa projetos de longas, documentários e especiais para TV. Dirigiu também o filme de ficção Natimorto, baseado no livro de Lourenço Mutarelli.

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