Matéria Especial
Minhas Impressões sobre a 53ª edição do Festival de Cinema de Gramado (com lista dos vencedores)
Por Clarissa Kuschnir
Agosto se foi, mas em nossa pauta temos espaço para falar sobre os festivais de cinema que passaram. Um deles é o Festival de Cinema de Gramado 2025, ocorrido entre os dias 13 e 23 de agosto, que eu, Clarissa Kuschnir, com nosso editor Fabricio Duque, estive presente este ano, também credenciada como imprensa, representando o Vertentes do Cinema. Fabricio ficou o tempo inteiro e cobriu o festival por completo com vários vídeos (que estão nas nossas redes sociais) de tudo o que ocorreu, durante os 11 dias do evento. Eu estive por lá por quatro dias.
Em sua 53ª edição, sendo um dos mais longínquos festivais (sem interrupção no país), o Festival de Cinema de Gramado é um dos principais e mais conhecidos eventos (mesmo para quem não é do cinema), que segundo a presidente da Gramadotur, Rosa Helena Volk, enfatizou em coletiva em São Paulo (veja matéria aqui) a cidade de Gramado recebe cerca de 8 milhões de turistas durante o ano, quanto para o calendário dos festivais de cinema no Brasil. Queira ou não, falem bem ou mal, muitos realizadores querem ter seus filmes passados na tela do Palácio dos Festivais. Muitos querem estar (e “desfilar”) no famoso tapete vermelho (inclusive o público que fica de fora fotografando tudo “maravilhado” com tanto “glamour”). Todos querem ter foto com o Kikito, o “Deus do Bom Humor” e símbolo do festival (e a representação do Troféu). Eu, que frequento a cidade como turista há mais de 30 anos, desde quando o Parque Knorr não era ainda a Aldeia do Papai Noel, passando pelo batizado do meu filho na Igreja matiz ao lado do Palácio dos Festivais, estive pisando no tapete vermelho, pela primeira vez este ano, como jornalista. E sim, Gramado era o que faltava no meu currículo de festivais de cinema. E foi uma experiência muito interessante estar em uma das cidades mais visitadas do país (apesar de achar que Gramado está perdendo um pouco de sua característica, mas isso é um assunto para outra hora) e encontrar a efervescência que a cidade fica com o segundo maior evento, depois do Natal Luz (este, que já fui algumas vezes). Dos dias em que frequentei o festival, consegui assistir a três longas de ficção, todos documentários e aos seis curtas nacionais que fizeram parte das mostras competitivas. Fiquei sentida por não ter acompanhado as mostras gaúchas, que, para mim, vejo os filmes regionais como extremamente importantes, por mostrarem o que se se tem feito pela região e pelo estado.
Sobre os filmes eu consegui assistir, começo pelo ganhador do prêmio principal que foi “Cincos Tipos de Medo” de Bruno Bini, do Mato Grosso, que levou os Kikitos de melhor filme, roteiro, montagem e ator coadjuvante para Xamã. Eu acho que o filme tem seus méritos, como sua montagem que concordo com o prêmio, com uma Bella Campos e o Rapper Xamã, relativamente, bem construídas em suas personagens, contudo não “me pegou tanto” e achei longo demais, apesar de ter um grande apelo popular à narrativa de ação. E no nosso cinema, filmes com esse apelo popular, mais voltados à audiência, têm mais chances de distribuição. E a sessão, que estava lotada, parece ter agradado ao público. Infelizmente, não consegui assistir “Nó”, de Laís Mello (que inclusive um curta seu está na nossa mostra Um Curta Por Dia: A Repescagem 2025 este mês, com seu filme “Tentei”) que levou os prêmios de melhor fotografia e melhor filme pela Abraccine (Associação de críticos de Cinema); “Papagaios”, que foi o escolhido como Melhor Filme pelo Vertentes do Cinema, levou o prêmio de melhor filme pelo júri popular além dos Kikitos de direção de arte, desenho de som, ator para Gero Camilo; e “Querido Mundo”, de Miguel Falabella, levou o Kikito de melhor atriz para Malu Galli, ou seja, duas atrizes da nova versão da novela “Vale Tudo” estiveram presentes este ano em Gramado.
Já a “Natureza das Coisas Invisíveis” de Rafaela Camelo, que após ser exibido no Festival de Berlim 2025, e “Sonhar Com Leões”, de Paolo Marinou-Blanco, foram dois filmes que me chamaram a atenção, por abordarem a morte e e o etarismo, de forma muito particulares. O primeiro narra a convivência de duas garotas que se conhecem dentro do hospital e acabam se aproximando e criando um vínculo, apesar de suas particularidades, juntam suas mães que acabam se ajudando. Achei bonito, sensível e honesto. E é um filme bem familiar, apesar da censura 12 anos, contando com os talentos da atriz alagoana Marta Maria (que levou merecidamente para o casa, o Kikito da categoria de atriz coadjuvante), Camila Márdila e Larissa Mauro. Sem contar o elenco infantil.
“Essa é uma política pública que de fato a gente vê na tela, como resultado. Este é um filme que eu venho desde 2018 e 2019 desenvolvendo e que passou por muitas mudanças. Mas foi de uma vontade minha genuína e profunda de falar sobre a questão da finitude, da morte e do luto. Vendo a pandemia, ficamos saturados deste tema e foi um momento que de fato decidi qual seria o ponto de vista, de relação ao luto. É um filme que traz essa perspectiva que é muito generosa e amorosa”, disse a diretora brasiliense, ao apresentar o filme para o público, em sua sessão de estreia no festival.
Em “Sonhar com Leões” vemos a sempre ótima Denise Fraga interpretando uma personagem com câncer terminal que mora em Portugal e que depois de quatro tentativas de suicídio acaba procurando um empresa clandestina para a “ensinar” como se matar sem sofrimento. Com uma parte do elenco português, o filme busca abordar a morte, de uma forma mais leve, saindo com do Festival de Cinema de Gramado 2025 uma menção honrosa. “Estou muito feliz de estar aqui em Gramado de novo, depois de 1999, que ganhei meu Kikito precioso (por “Atrás do Pano”, de Luiz Villaça). Estou feliz de voltar com esse filme pelo qual dei todo o meu coração. Tivemos uma sincronia de dores. E eu vesti essa causa. É um filme sobre a eutanásia. No brasil não falamos muito sobre isso. E a gente precisa encarar esse assunto e o Paolo arrumou um jeito muito bonito e divertido de falar e por isso ele não arregou”, disse Denise sobre o projeto, também no dia da apresentação do filme aos convidados.
Os documentários do Festival de Cinema de Gramado têm uma mostra só deles (geralmente nos festivais ficções e documentários sempre concorrem juntos) e este ano o festival trouxe quatro longas da categoria que foram: “Para Vigo Me Voy!”, de Karen Harley e Lírio Ferreira, que foi um dos meus preferidos, por abordar a carreira de Cacá Diegues, falecido em fevereiro deste ano. O longa, que estreou mundialmente na sessão Classics do Festival de Cannes 2025, teve sua primeira exibição em Gramado e me emocionou pelas passagens, depoimentos de amigos e histórias da trajetória de Cacá Diegues. “Queria dizer que estamos no festival certo, pois último filme que foi do lançado do Cacá que foi “O Grande Circo Místico”, estreou no Brasil aqui. E o Cacá foi homenageado, em 2003, com o troféu Eduardo Abélin. Eu queria agradecer ao festival de Gramado por ter uma mostra de documentários que continua sendo considerado o patinho feio, do nosso cinema. Se já é difícil para o cinema brasileiro, para o documentário é mais ainda. Então eu queria falar para o festival de Gramado não desistir dos documentários. A gente tem falado de soberania e não existe soberania sem memória. Não existe identidade sem memória. Vamos continuar apoiando e parabéns ao Festival de Gramado”, finalizou o produtos Diego Dahl sobre o longa. Infelizmente, “Para Vigo Me Voy!” recebeu apenas uma menção honrosa e eu acho, que merecia muito mais.
O vencedor de melhor documentário que levou o Kikito foi para “Lendo o Mundo” da norte-americana Catherine Murphy e da brasileira Iris de Oliveira. O longa fala sobre um recorte de um projeto educacional comandado pelo educador e filosofo brasileiro Paulo Freire, durante os anos 60, em Angicos, interior do Rio Grande do Norte. Inclusive a associação de produtores do Rio Grande do Norte está contestando que o filme foi inscrito pelo estado, e que por mais que se tenham algumas imagens captadas por lá, ele não é exatamente de lá pois uma das empresas responsáveis é de São Paulo. E esse, é um assunto complexo. Dentro da mostra de documentários tiveram o ótimo amazonense “Os Avós”, de Ana Ligia Pimentel, que mostra a realidade dos avós bem jovens da região e o indígena campineiro “Até Onde a Vista Alcança”, de Alice Villela e Hidalgo Romero, que encerrou o festival com música, já que o filme trata uma parte musical da tribo Kariri-Xocó, além de sua luta por suas terras e cultura. E é um filme que hipnotiza, por sua canções. É como se estivéssemos na tribo ouvindo presencialmente.
OS CURTAS E AS HOMENAGENS DO FESTIVAL DE CINEMA DE GRAMADO 2025
Este ano, o Festival de Cinema de Gramado homenageou o ator Rodrigo Santoro, com o Kikito de Cristal, a produtora Mariza Leão com o Troféu Eduardo Abélin e Troféu Oscarito para Marcélia Cartaxo. Entre os três, tive o privilégio de presenciar a homenagem à atriz paraibana Marcélia Cartaxo pelo qual acompanho sua carreira (com entrevistas em revista, encontrando em festivais e vendo seus filmes), há alguns anos.
“Foi tudo muito lindo e incrível todas a essa trajetória. Quero agradecer a todos os diretores que me formaram como atriz. Quero agradecer a todas as pessoas que seguem meu trabalho. É esse público maravilhoso que respeita minha arte, que gosta, que se emociona. Foi aqui no Festival de Gramado que tive minhas maiores alegrias. Ser aplaudida em cena aberta. Ser aplaudida lá fora pelo reconhecimento da minha arte. É muita gratidão. Estou muito feliz e realizada’’, disse Marcélia sob aplausos e muito emocionada, ao receber seu Troféu Oscarito, das mãos da atriz Isabel Fillardes.
Da seleção de curtas, pude conferir: “Aconteceu a Luz da Lua”, de Crystom Afronário; “FrutaFrizz”, de Kauan Okubama Bueno; “Samba Infinito”, de Leonardo Martinelli. “O Mapa que Estão aos Meus Pés”, de Luciano Pedro Jr.; “Na Volta Eu Te Encontro”, de Urânia Munzanzu; e“Réquiem para Moïse”, de Barreto Briso e Susanna Lira. Nesta categoria tão importante para nós aqui e para os festivais (já que os curtas têm ganhado cada vez mais espaço e estes poderão estar aqui no Vertentes futuramente), “FrutaFrizz” levou o Kikito de melhor filme. O curta protagonizado pelo ótimo Renato Novaes fala de uma viagem de caminhão do personagem ao lado de seu colega de trabalho. Nesta jornada, ele faz uma visita a uma tia de que não encontra faz muitos anos. Além de divertido, o curta tem uma final um final totalmente inusitado. Em relação ao título, é a menção de um refrigerante fictício que a dupla toma, durante uma conversa. Os Kikitos de direção, atriz e fotografia foram para “Boiuna”, de Adriane Faria. Um curta que não consegui assistir infelizmente, assim como “Jacaré”, de Pedro Sol Vitorino, que recebeu o Kikito de Melhor ator para Pedro Sol Victorino.
“Samba Infinito” (em breve minha crítica aqui) de Leonardo Martinelli, que teve sua estreia na Semana da Crítica em Cannes recebeu o prêmio de melhor montagem, assinada por Lobo Mauro e melhor filme e melhor curta, pelo júri popular. “Réquiem para Moïse”, de Barreto Briso e Susanna Lira, levou o Kikito de melhor roteiro. Sim, a Incansável e competente Susanna Lira assina esse curta em dupla para contar a história de refugiados africanos tendo com premissa a morte menino haitiano Moïse Kabagambe, que foi assassinado a golpes de beisebol no Rio de Janeiro.
Ainda dentro das programações o festival trouxe várias mostras paralelas entre elas, a de realidade virtual e encontros e debates sobre o mercado que foi o Conexões Gramado Film Market, que ocorria no Museu do Festival de Cinema de Gramado, outro lugar imperdível para se conhecer. Segundo o Festival de Cinema de Gramado o público estimado e 2025 foi de 40 mil pessoas, exibindo 74 filmes (entre longas e curtas-metragens) e forma entregues 52 prêmios, sendo 40 Kikitos. A edição de 2026 está prevista para acontecer entre 12 e 22 de agosto.
LISTA COMPLETA DOS VENCEDORES DO FESTIVAL DE CINEMA DE GRAMADO 2025
LONGAS E DOCUMENTÁRIOS
Melhor Filme: “Cinco Tipos de Medo”, de Bruno Bini
Melhor Direção: Laís Melo, por “Nó”
Melhor Ator: Gero Camilo, por “Papagaios”, de Douglas Soares
Melhor Atriz: Malu Galli, por “Querido Mundo”, de Miguel Falabella
Melhor Roteiro: Bruno Bini, por “Cinco Tipos de Medo”
Melhor Fotografia: Renata Corrêa, por “Nó”, de Laís Melo
Melhor Montagem: Bruno Bini, por “Cinco Tipos de Medo”
Melhor Trilha Musical: Alekos Vuskovic, por “A Natureza das Coisas Invisíveis”, de Rafaela Camelo
Melhor Direção de Arte: Elsa Romero, por “Papagaios”, de Douglas Soares
Melhor Atriz Coadjuvante: Aline Marta Maria, por “A Natureza das Coisas Invisíveis”, de Rafaela Camelo
Melhor Ator Coadjuvante: Xamã, por “Cinco Tipos de Medo“, de Bruno Bini
Melhor Desenho de Som: Bernardo Uzeda, Thiago Sobral e Damião Lopes, por “Papagaios”, de Douglas Soares
Prêmio Especial do Júri: “A Natureza das Coisas Invisíveis”, de Rafaela Camelo
Menção Honrosa: “Sonhar com Leões”, de Paolo Marinou-Blanco
Melhor Filme pelo Júri Popular: “Papagaios”, de Douglas Soares
Melhor Filme pelo Júri da Crítica: “Nó”, de Laís Melo
Melhor Longa-metragem Documentário: “Lendo o Mundo”, de Catherine Murphy e Iris de
Oliveira
Menção Honrosa Documentário: “Para Vigo Me Voy!“, de Lírio Ferreira e Karen Harley
CURTAS
Melhor Filme: “FrutaFizz”, de Kauan Okuma Bueno
Melhor Direção: Adriana de Faria, por “Boiuna”
Melhor Ator: Pedro Sol Victorino, por “Jacaré”
Melhor Atriz: Jhanyffer Santos e Naieme, por “Boiuna”
Melhor Roteiro: Ítalo Rocha, por “Réquiem para Moïse”
Melhor Fotografia: Thiago Pelaes, por “Boiuna”
Melhor Montagem: Lobo Mauro, por “Samba Infinito”
Melhor Trilha Musical: As Musas, por “As Musas”
Melhor Direção de arte: Ananias de Caldas e Brian Thurler, por “Samba Infinito”
Melhor Desenho de som: Marcelo Freire, por “Jeguatá Xirê”
Prêmio Especial do Júri: “Aconteceu a Luz da Lua”, de Crystom Afronário
Menção Honrosa: “Quando Eu For Grande”, de Mano Cappu
Prêmio Júri da Crítica: “O Mapa em que Estão Meus Pés”, de Luciano Pedro Jr.
Prêmio Canal Brasil de Curtas: “Na Volta Eu Te Encontro”, de Urânia Munzanzu
Melhor Filme Júri Popular: “Samba Infinito”, de Leonardo Martinelli
PRÊMIO ASSEMBLEIA LEGISLATIVA – MOSTRA GAÚCHA DE CURTAS
Melhor filme: “Trapo”
Melhor direção: Viviane Jag Fej Farias e Amalia Brandolff – “Fuá – O Sonho”
Melhor atriz: Mikaela Amaral – “Bom Dia, Maika!”
Melhor ator: Igor Costa – “O Pintor”
Melhor roteiro: Cássio Tolpolar – “Imigrante/Habitante”
Melhor fotografia: Takeo Ito – “Gambá”
Melhor direção de arte: Clara Trevisan – “Mãe da Manhã”
Melhor trilha sonora/música: Zero – “Bom Dia, Maika!”
Melhor montagem: Alfredo Barros – “Imigrante/Habitante”
Melhor figurino: Samy Silva – “A Sinaleira Amarela’”
Melhor edição de som/desenho de som: Vini Albernaz – “Mãe da Manhã”
Melhor produção/produção executiva: Renata Wotter – “O Jogo”
Melhor filme – Júri da Crítica: – “Gambá”