Mostra Um Curta Por Dia 2025

Michel Gondry – Faça Você Mesmo!

Michel Gondry: Feito Por Um Outro

Por Letícia Negreiros

Mostra de São Paulo 2024

Michel Gondry – Faça Você Mesmo!

Michel Gondry, antes de um realizador, é um artista. Com grandes obras como “Besouro Verde”, “Rebobine, Por Favor”, “Sonhando Acordado” e “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”, há também um passado grandioso no mundo dos videoclipes e uma passagem interessantíssima no mundo da música. François Nemeta explora essa trajetória no seu mais novo documentário Michel Gondry: Faça Você Mesmo!”. Nemeta tem um longo histórico ao lado de Gondry. Tendo conhecido o diretor na sua época de bateria na banda francesa Oui Oui, chegou a ser seu assistente de realização, participando de diversos projetos juntos. Em seu longa, busca explorar o processo criativo do colega mais a fundo, mapeando sua importância para a cultura pop e expondo a origem de muitas das referências que consumimos hoje. 

O filme se estrutura com imagens de arquivo – fotografias de família, entrevistas antigas, vídeos de bastidores -, entrevistas concedidas para o próprio projeto e reproduções de trabalhos de Gondry. Essas últimas são, imageticamente, o ponto alto do longa. Se apegando a estética e modo de produção dos primeiros clipes da banda de Gondry, produzidos também por ele, Nemeta nos presenteia com transições belíssimas e alguns poucos apoios narrativos hipnotizantes. Essas imagens são mais presentes no início do longa e se dissolvem conforme a narrativa se apoia nos arquivos coletados. 

Michel Gondry: Faça Você Mesmo!” inicia a viagem no processo criativo do cineasta a partir desses videoclipes. Na época, Gondry não tinha muito: uma câmera e um sonho. Nos seduzindo com exemplos dos vídeos, Nemeta instiga a questionar como algo tão diferente foi feito por apenas uma única pessoa, em uma época de recursos individuais de tão difícil acesso. Mesmo nos conduzindo por toda a base produtiva de Michel, há um ar de fantástico e maravilhoso no que faz. Limita suas realizações a vontade de fazer, coragem para fazê-lo e irreverência no processo. Nemeta nos convence de que há mais. E, no entanto, não nos mostra. 

Há uma empolgação muito clara em revisitar a obra de Gondry e dissecá-la para o público. Sentimento esse que é altamente contagioso. É até mesmo espantoso ver a participação de Michel em tantos níveis da indústria musical dos anos noventa. Foi quase onipresente na produção dos videoclipes da época ou, ao menos, os influenciou grandemente. Em seguida, após algumas provações, foi fazer cinema e o fez grandiosamente. Depois, voltou para as produções que lhe faziam sentido, fossem elas lucrativas ou não.

Em Michel Gondry: Faça Você Mesmo!”, Nemeta nos apresenta um homem criativo, inteligente, curioso e, simultaneamente, não nos diz nada. Tudo o que nos conta pode ser descoberto ao consumir suas obras. De onde vieram suas referências, seu histórico familiar e relações construídas são novidade, mas a essência de Gondry é muito verdadeira para não ser extraída de tudo o que produz. É como se sua mente fosse um lugar inalcançável. Não conseguimos entrar nos pensamentos de Michel. Temos uma visão terceirizada dele, vinda de um conhecido e colega de longa data, mas, mesmo assim, muito distante. 

Parte dessa impressão vem da narração. Nemeta nos conta uma história que lhe é próxima, recente e importante. No entanto, o faz de longe e com frieza. Não há conexão no seu contar, a empolgação transmitida em Michel Gondry: Faça Você Mesmo!” provém de Michel – nos arquivos selecionados e nas histórias que nos conta -. O narrador transmite de uma forma que me recorda de Agnès Varda, em suas pausas e falar calmo. Ele, porém, não possui a sensibilidade tão marcante na documentarista. Quando fala, é sem vida, não necessariamente acrescentado à mensagem de sua narrativa. É palpável que é um grande admirador de Gondry, mas isso está nas imagens que mostra e nos feitos do próprio Michel, que justificam a admiração. Nemeta, enquanto narrador, acinzenta a própria história. 

Michel é o grande responsável pelo tom envolvente e empolgante de Michel Gondry: Faça Você Mesmo!”. Seus feitos são fantásticos e a forma como os reconta é encantador. Apesar de não falar do assunto com paixão, Nemeta definitivamente o expõe com o fascínio do mesmo jovem que conheceu Gondry há tantos anos, gravando um show qualquer da banda Oui Oui. O documentário está em exibição na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. 

3 Nota do Crítico 5 1

Conteúdo Adicional

Deixe uma resposta