Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual
A metalinguagem do amor
Por Fabricio Duque
“Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual” gera um estranho desconforto. Confesso que precisei de várias semanas para que pudesse desvencilhar o envolvimento que senti ao vê-lo. Quase sempre quando sentava a frente do computador para escrever, percebia que precisava esperar mais tempo. É um filme que toca a alma, que personifica pensamentos, desejos e bloqueios que se encontram em qualquer interior do ser humano. Analisá-lo significaria percorrer uma trajetória terapêutica. Dessa forma, o que escreverei aqui terá duas vertentes: a sentimental e da técnica cinematográfica, sem a indicação de onde começa uma e de onde começa a outra. O mundo atual apresenta uma pressão maior aos indivíduos por inúmeras razões. Uma delas é a pseudo-simplicidade. A tecnologia vende a idéia de praticidade.
Podemos comprar tudo que quisermos pelo universo virtual, de comidas a pessoas, este último caso por causa dos bate-papos, lugares que se conhecem amigos, namorados e ou acompanhantes de uma noite ou duas no máximo – ou com sorte mais de um ano. Quanto mais evoluímos, mais nos prendemos numa tela que pode variar de tamanho, passando das cinqüenta polegadas. As possibilidades são infinitas. Aprendemos sobre países sem conhecê-los, trabalhamos sem precisar sair de casa, vivemos num mundo único e projetado por nós mesmos e ainda assim acreditamos que conheceremos a nossa alma gêmea, que não tenha vícios e manias, teclando apenas algumas palavras. Idealizamos a perfeição, já que não somos, e procuramos arduamente, com a facilidade peculiar, que pode ser explicada pelo imediatismo reinado nos dias atuais. Corremos demais. A conseqüência é a solidão, que gera o vazio existencial, que desencadeia a depressão e ou a defesa psíquica.
Tentamos fugir de nós mesmos criando metas absurdas de serem conseguidas, gerando a pressão, a ansiedade, a insônia, a defesa e a depressão. De um lado ou de outro não estamos a salvo. É aí que entra o diretor Gustavo Taretto, estreante em um longa-metragem, que absorve este universo e prova que na verdade ainda há esperança à solidão. Que nem tudo está perdido. “Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual” conta que Martin (Javier Drolas) e Mariana (Pilar López de Ayala) vivem, na mesma rua, em edifícios opostos, mas nunca se conheceram. Eles andam pelos mesmos lugares, mas nunca notaram um ao outro. Quais são as chances deles se conhecerem em uma cidade de três milhões de habitantes? O que os separa, irá uni-los. Seguindo a metáfora e a referência de “Onde está Wally?”, a história acontece. Inicia-se com uma narração detalhada sobre as formas arquitetônicas de Buenos Aires, na Argentina, traçando uma reflexão paralela e personificada da vida deles.
Os protagonistas de “Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual”, assim como outros indivíduos sociais, sobrevivem em apartamentos, com poucas janelas, devido a regras dos condomínios, que projetam padrões estéticos, muitas das vezes, para que os espaços possam ser vendidos a propaganda de produtos. O marketing é a resposta ao consumismo exacerbado e massificado. Baseado num curta-metragem anterior de Taretto, também chamado Medianeras (um muro comum que separa duas casas), de 2005, o filme levanta a questão da qualidade de vida, porque essas moradias são escuras, e necessitam de um pouco de sol e ventilação, a fim de revelar novos pontos de vista sobre a cidade. A solução, ainda que ilegal, é a colocação de empenhas (pequenas aberturas nas paredes principais dos prédios) para “a opressão que é viver em caixas de sapato”, disse o Gustavo.
A “ampliação da visão” é a base com o intuito de tentar explicar os males modernos: a dificuldade de encontrar um namorado, automaticamente a duração das relações e a fuga do querer. Um paradoxo atual que surge do medo do abandono e do desapego fácil. Se alguém gosta de música pop e a outra pessoa não, há um empecilho crônico. Se alguém é alto demais, baixo demais, careca demais, burro demais, inteligente demais. Tudo ajuda a corroborar a escolha pelo não e pela frase “Escolherei alguém melhor na próxima. É tão fácil”. Mas não é. Cada vez, uns ficam mais exigentes com os outros, os afastando e os esquecendo como uma roupa que deveria ter bolso, mas não tem. A narrativa busca interagir imagem e ação, criando a metalinguagem, buscando ângulos independentes a fim de traduzir um roteiro jovem e realista, tornando crível o que é apresentado. Vive-se sem a expectativa, acostumando-se com a resignação dos acontecimentos.
Mas quando algo nos “balança”, como conhecer alguém interessante, compatível com nossos gostos, a ansiedade e a falta de prática coloca tudo a perder. O medo nos consome e deixamos passar a possibilidade. Em “Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual”, eles esbarram-se em todo instante, não sabem, porque ou vivemos correndo, sem tempo para olhar ao lado, ou temos o impacto da apresentação visual antes da conversa propriamente dita, assim éramos um pré-conceito sobre quem está em nossa frente. Por isso o sucesso internauta. Conhece-se primeiro o papo, depois a imagem. Mesmo assim, quando um detalhe não nos agrada, descartamos com a certeza absoluta de que encontraremos alguém melhor. A fantasia é constante e pulula mais do que imaginamos. Quando o roteiro apela no final, tanto pelo lado dele, quanto do dela, o clichê aparente não prejudica em nada, porque já fomos completamente sugados e “devorados” pelo filme.
Concluindo,“Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual” é excelente, porque consegue descrever e transpor de forma digna, crível e arrebatadora o universo que vivemos e que nos encontramos presos, sem nunca perder a esperança da perfeição projetada e esperada. Recomendo. “E a solidão mais trágica é quando você está rodeado por tantas pessoas. A vida moderna nos isola apesar de tudo ser feito para facilitar nossas atividades. O caos é desgastante, mas muito estimulante. Você não pode “baixar a guarda” em Buenos Aires, não pode ter apenas um plano A. Isso mantém todos os sentidos bem alerta. E acho que por isso há tanta criatividade nesta cidade”, finaliza o diretor. O filme de Gustavo Taretto conquistou o júri popular no festival de Berlim e, em Gramado, saiu com três Kikitos: melhor filme estrangeiro, melhor diretor e júri popular. Orçamento estimado de US$ 11 milhões.