Curta Paranagua 2024

Mary e Max – Uma Amizade Diferente

Ficha Técnica

Direção: Adam Elliot
Roteiro: Adam Elliot
Elenco: Vozes na versão original de Toni Collette, Philip Seymour Hoffman, Eric Bana, Barry Humphries
Trilha Sonora: Dale Cornelius
Produção: Mark Gooder, Paul Hardart, Tom Hardart, Bryce Menzies, Jonathan Page
Distribuidora: PlayArte
Estúdio: Gaumont
Gênero: Animação
Duração: 92 minutos
País: Austrália
Ano: 2009
COTAÇÃO: MAIS DO QUE EXCELENTE

A opinião

Há um paradoxo no estágio do mundo atual que é a dificuldade que o ser humano tem de conviver com o seu próximo. Um ser é composto de suas manias, subjetividades e individualismos. Conviver com o outro requer aceitar tais inerências. Precisa-se possuir um jogo de cintura, uma flexibilidade no pensar e entender o ponto de vista diferente mesmo sem aceitá-lo. Para que uma pessoa consiga sobreviver, vários mecanismos de defesa despertam-se. Há a hipocrisia de não se dizer o que pensa, de invejar o outro por não ter o objeto do desejo, que gera o “tomar emprestado” sem devolver. Os sentimentos são gêneros uniformes, que cada um interpreta e vivencia do seu jeito. A sensação de recebimento dessas emoções é única e própria. A identificação de seres que experimentam e vivem de uma forma pode ser classificada como uma faixa igual dos que optam por determinados tipos.

O problema acontece, quando uns tentam modificar os outros, incutindo informações prontas, que não questionáveis. A responsabilidade, pais e educadores, dos que deveriam formar dúvidas, bases e conceitos, não impostos, delega-se ao acaso e ao vazio. Os filhos perdem-se no não conhecimento da educação.

O filme inicia com uma narração infantil resignada, seca, mas esperançosa, como a fantasia e sonhos desta idade, com uma ingenuidade direta e cruel, por não conhecer o certo e ou errado, por não ter entendimento da maldade politicamente correta dos adultos. A criança em questão vê um mundo incompreendido e tem explicações não verdadeiras para determinados assuntos, como de onde os bebês vêm, que recebe como resposta de uma caneca de cerveja, se for na Austrália, ou se não for judeu, de prostitutas. A atmosfera capta esse sentimento dos pequenos de não esconder o que pensa, de dizer o que quer, sem limites e medos.

Baseado em uma historia real, aborda uma história de amizade entre duas pessoas muito diferentes: Mary Dinkle (voz de Toni Collette), uma menina gordinha e solitária, de oito anos, que vive nos subúrbios de Melbourne, e Max Horovitz (voz de Philip Seymour Hoffman), um homem de 44 anos, obeso e judeu que vive com Síndrome de Asperger no caos de Nova York. Alcançando 20 anos e 2 continentes, a amizade de Mary e Max sobrevive, muito além dos altos e baixos da vida. “Mary e Max” é uma viagem que explora a amizade, o autismo, o alcoolismo, de onde vêm os bebês, a obesidade, a cleptomania, a diferença sexual, a confiança, diferenças religiosas e muito mais.

Há a metáfora do contraste. A música de abertura, feliz, e com violinos serenos, revela o dia-a-dia comum das coisas e das pessoas, como uma cueca presa em um varal, esperando secar. O ano: 1976. O lugar: Austrália. A narração e a câmera seguem humanizando os defeitos, marcas, idiossincrasias, imperfeições físicas e características pessoais de cada um. Não há julgamento. Retrata o ser humano no seu estado mais puro, e cru. Revela a solidão latente e inexplicável com uma imagem sépia, amarronzada, que lembra uma fotografia, um estado nostálgico de ação passada no presente.

A trama estimula a introspecção do espectador, em repensar sua vida, referenciar o que vê. Mary fazia os seus próprios “amigos” com restos de comida e do que sobrasse por não ter dinheiro para comprar os personagens de seu desenho favorito. O pai preferia trabalhava em uma fabrica de chá, fazendo um trabalho repetitivo. A marca desse chá era o favorito da menina. Ela não tinha a atenção do pai, porque ele preferia a “companhia pássaros mortos empanados”, então Mary projetava o amor no gosto do objeto do trabalho dele. A mãe dizia que ela tinha sido “um acidente”. “Como alguém poderia ter sido um acidente?”, questiona-se. Ela via a sua mãe “Experimentando vinho” e não a entendia. “Era uma alma complicada”, dizia.

Ela não perdia o seu desenho animado favorito, porque eles eram marrons como ela e tinham muitos amigos, projetando o querer. Mary tinha vontades simples: estar com seu galo de estimação, comer leite direto da lata e assistir televisão. Os olhos dela demonstram o sonho resignado da infância.

Em outro lugar, em Nova Iorque, que é descrito como um ambiente noir, escuro, preto-e-branco, com balas perdidas, sujo, sem vida e depressivo. É neste lugar que Max mora. Ele é um outro tipo de solitário, com vivencia, já sem esperança. Assiste também ao seu desenho favorito, que é o mesmo de Mary, porém com uma perspectiva adulta, mas também por eles terem muitos amigos. Percebe-se que a solidão não tem idade. Só fica mais cruel e aceitável. Ele tinha o seu peixe “sempre substituível” e seu amigo imaginário.

Ela possui a imaginação fértil de uma criança. Em uma ida ao banco com sua mãe, ela vê um catalogo de nomes de Nova Iorque, e por acaso, escolhe um. O nome escolhido: Max. Mary resolve escrever para ele, contando suas historias. Eles trocam manias. Cachorro –quente de chocolate. Ele tinha a ingenuidade de quem não cresceu. “Não entendia sinais verbais. Flertar era a mesma coisa que correr”, dizia e se desesperava quando algo novo e estressante acontecia. O medo causava a síndrome do pânico que causava um tratamento paliativo mental. “A frágil existência tornou-se novamente desconfortável”, expressava um existencialismo de frases de efeito.

A narrativa por imagens e sons apresenta agilidade e mistura percepções. Os acordes de uma música interagem no bater de teclas de uma maquina de escrever. A ironia, não clichê, não tenta fazer graça, mas abrandar a carga sentimental de realismo cruel do roteiro, como as lesmas que possuem nomes de cientistas.

Eles buscam libertarem-se dos rótulos, dos julgamentos por serem diferentes. Tentam sobreviver na loucura do mundo. “A policia se deu conta que eu não era uma ameaça a ninguém, exceto para mim mesmo”, diz e complementa “Os humanos são interessantes, mas é difícil entende-los”, Max descreve o lugar onde mora como barulhento e com cheiros.

Ela sofre a sinceridade. “Minhas lágrimas estão molhando minhas palavras”, sobre a crueldade e zombaria de outras crianças, sem a estrutura familiar. Ela se confunde com a vida, mas acha que é assim mesmo. Ela dá um pouco de vida a ele. E ele retribui o conhecimento adquirido. As palavras de Mary deixam Max retornar ao tratamento psiquiátrico, mas recupera-se. “A vida esta simétrica de novo”, diz. Ele explica a Mary, que cresce, o que é ter ASPIE, um desequilíbrio de percepção. “O mundo é confuso, porque minha mente é literal e lógica, não entendo as expressões faciais das pessoas, tenho letra feia, sou hipersensível, gosto de resolver problemas, tenho dificuldades para expressar emoções. Mas gosto de ser um Aspie, me torna diferente”, Max diz. Um alimentava o outro.

A vida dela acontece. Guarda dinheiro, tira a marca de nascença, mas continua sendo ela. Casa-se com quem queria, mas continua sendo infeliz. “Ame você primeiro”, diz-se. Reviravoltas do seu relacionamento de amizade causam sofrimento, autodepreciação, baixa autoestima. Ela se afasta de tudo e torna-se a mãe, repetindo as mesmas ações e tomando os mesmos remédios, como Valium, que fornece uma felicidade projetada, mas retira a cor e escurece o enxergar. “A razão de eu te perdoar é que você é imperfeita. E eu também”, Max diz. “Deus nos dá familiares. Graças a Deus podemos escolher os amigos”, finaliza-se.

Vale muito a pena ser vista. É uma obra-prima existencialista que mostra os variados caminhos que alguém pode tomar. Recomendo.

O Diretor

Adam Elliot nasceu em 2 de janeiro de 1972, na Austrália. Ele é um independente animador stop-motion vencedor de vários festivais, inclusive o Oscar por “Harvie Krumpet”. Elliot chama-se um autor cineasta e cada um de seus filmes tem uma natureza agridoce para eles. Baseado livremente em sua família e amigos, Elliot chama cada um de seus trabalhos Clayography – argila biografias animado – um termo portmanteau das palavras de argila e biografia. Utilizando uma grande equipe de animadores e modelmakers cada filme leva vários anos para ser concluído. Ele é conhecido por seu uso tradicional na câmera “técnicas, o que significa que cada conjunto prop e caráter é uma ‘real’ objeto artesanal em miniatura. Elliot não usa adições digital ou imagens geradas por computador para melhorar a sua estética visual. Elliot também é membro votante daAcademy of Motion Picture Arts and Sciences e em 1999 recebeu o prêmio de Empreendedor do Ano jovem para Victoria.

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