Mansão Mal-Assombrada
Quem acredita em fantasmas?
Por Pedro Sales
A Disney, além de ser um estúdio mundialmente conhecido e respeitado por suas produções, ocupa grande espaço no imaginário popular por seus parques temáticos. Normalmente, os filmes é que se tornam atrações nos parques, mas, às vezes, o contrário também acontece. “Missão: Marte” (2000), de Brian De Palma, foi uma das primeiras adaptações dos brinquedos para as telonas, a mais recente foi “Jungle Cruise” (2021), com The Rock e Emily Blunt, porém nenhum outro filme baseado em atrações do parque atingiu a popularidade da saga “Piratas do Caribe”, com Johnny Depp vivendo o mítico Jack Sparrow. “Mansão Mal-Assombrada” também tem essa mesma origem. Esta nova versão se inspira no brinquedo da Disneyland e se apresenta como um remake do filme homônimo de 2003, protagonizado por Eddie Murphy. A atualização proposta pelo diretor Justin Simien preserva a mistura entre um terror mais leve, totalmente justificável pelo público infanto-juvenil, com o humor.
Em Nova Orleans, Gabbie (Rosario Dawson) se muda para uma mansão com seu filho Travis (Chase Dillon). O único problema da bela casa com arquitetura entre o neoclássico e colonial são os inquilinos invisíveis. A solução para lidar com esses fantasmas é convocar um grupo improvável para expurgar os maus espíritos da mansão. O padre Kent (Owen Wilson), o físico Ben (Lakeith Stannfield), o historiador Bruce (Danny DeVito) e, claro, uma especialista em assuntos sobrenaturais, a vidente Harriet (Tiffany Haddish). Dessa forma, o filme desenvolve o humor e seus conflitos sobretudo por meio da dinâmica em grupo, explorando as particularidades de cada um desses arquétipos e também seus próprios fantasmas. A centralidade narrativa, no entanto, está em Ben. O cientista estabelece o contraponto entre ceticismo (razão científica) e crença (a partir da materialização dos espíritos na “fotografia espectral”). O aproveitamento da tecnologia, por outro lado, é bem pontual, apenas para a comprovação da existência dos fantasmas, em uma sequência divertida com a montagem acelerada.
Se não existe um aproveitamento total da ciência – somente na introdução -, o mesmo vale para a ambientação em Nova Orleans. Além dos planos de estabelecimento, em conjunto com uma didática narração e uma trilha que esporadicamente usa o jazz, “Mansão Mal-Assombrada” explora muito pouco as potencialidades culturais da cidade. Diferentemente da animação “A Princesa e o Sapo” (2009), em que a trama estar inserida em Nova Orleans de fato importa para a história. Felizmente, Justin Simien compensa essa falta de aprofundamento no macro para se dedicar ao microcosmo, a Mansão. O espaço cênico, apesar de grande, se torna restrito. Alguns quartos e corredores jamais devem ser frequentados, o único refúgio é a sala de estar. As intersecções entre mundo dos vivos e dos mortos também é enriquecida pela cenografia – e alguns figurinos – dos anos 1800 na casa, iluminada quase sempre por velas e estampando nas paredes quadros “vivos”, cujas figuras saem das molduras e voam pela mansão. À meia-noite, por exemplo, a casa é toda dos fantasmas. Quem se atrever a sair do espaço seguro enfrentará corredores labirínticos que se estendem, perturbações espirituais e a presença do mais temível dos fantasmas, Alistair Crump.
Tendo em vista a produtora e o público do filme, é natural o tom mais infantil, especialmente no tratamento do terror. Esse fator, contudo, não impede que o cineasta construa o terror com verve clássica, sobretudo visualmente. O uso das cores remete a produções dos anos 80, os fantasmas têm vozes graves e passar pela soleira é aceitar ser perseguido pelos espíritos. A fantasmagoria aqui, portanto, é tradicional, a fotografia possui esse tom azulado, cheio de névoa, a trilha sonora se volta ao órgão, instrumento clássico do gênero. No mundo dos mortos, depois das sessões espíritas, o rosa e o verde dominam essa realidade sobrenatural, o que se distancia bastante do novo padrão do terror, com cenas escuras em que dificilmente conseguimos ver o que está na tela. Apesar de se inclinar a uma abordagem mais clássica, Simien se aproveita de códigos-base do terror para construir tensão. Os famosos jumpscares não são exceção, assim como o trabalho de câmera livre que busca trazer desconforto, com o uso do ângulo holandês ou grandes angulares. Por fim, os fantasmas, mesmo com a aura azul, ainda são bem realistas, o que causa ruídos quando comparados aos traços cartunescos do vilão. O filme, ao meu ver, se beneficiaria muito mais abraçando esse visual lúdico e animado, condizente com o terror infantil.
“Mansão Mal-Assombrada” é uma comédia fantástica dedicada à família com inserções do terror. Em suma, é uma obra que reconhece seus méritos e objetivos, não tenta ser mais do que é. Todo o tom proposto das assombrações e o espaço físico da mansão são bem construídos. O humor é perceptível a todo momento, quase a totalidade dos diálogos possuem uma sacada cômica, até mesmo interrompendo um momento de maior dramaticidade. Tiffany Haddish está sempre formidável em tela, seu texto possui o melhor timing das piadas, muito diferente do personagem de Owen Wilson cujas piadas sempre tinham uma carga religiosa. Portanto, mesmo que alguns sejam mais engraçados do que outros, percepção totalmente subjetiva, é fato que as transições da comédia para o drama não são tão polidas. Lakeith Stanfield entrega o máximo possível em um texto superficial sobre luto, dor e solidão. Afinal, hoje todos os filmes precisam de uma jornada emocional pretensamente densa. Apesar dos pesares, o longa possui boas participações especiais, destaque para Jamie Lee Curtis como Madame Leota, e, mais importante, consegue divertir e entreter pais e filhos. É o típico filme de “Sessão da Tarde”, ou melhor, para atualizar neste tempo de streamings, o típico filme original Disney+.