Ma
A louca obsessão de uma redesenhada Carrie Pop
Por Fabricio Duque
“Ma” é um daqueles filmes que indicativos surpresas (spoilers) são revelados logo na premissa anunciada, e assim seu roteirista necessita de uma maior perspicácia para construir artifícios, saídas e melhores caminhos. Este é um terror psicológico de imersão sensorial, cujas consequências são acarretadas pelas escolhas subjetivas de sua protagonista, que almeja a inclusão pela “compra” da interação e que precisa lidar com os acasos reviravoltas de seus atos obsessivos e psicopáticos.
O longa-metragem é também causal, em que o passado ainda vivo, pulsante e remoído serve de estímulo condutor às ações do patológico presente, com seus jogos arquitetados e planos urgentes ajudados pela incongruência dos outros, “vítimas” em potencial e em estado de vulnerabilidade. “Ma” acontece pela natural fragilidade emocional, especialmente alimentado pela imprudência dos jovens ingênuos que querem se divertir e experimentar novidades sem a noção do perigo, desencadeando uma premeditação advinda da forma espontânea e facilitadora.
Quando percebemos que há a inversão da inércia resignada na revolta incisiva e imediatista, influenciada pelas possibilidades do momento atual, que por sua vez desperta traumas e sofreguidões, então nós começamos a humanizar a personagem principal Sue Ann, apelidada fofamente de “Ma” por ser uma “mãe amiga” a estes adolescentes tão perdidos e precisados de diversão. “Ma” constrói uma atmosfera coloquial, de moderna vivência contemporânea, com sua resiliente trilha sonora de Indie Rock. Somos apresentados a personagens de uma mãe e uma filha que estão de mudança a um novo lugar, com nova escola e novo trabalho. “Garotas modernas no mundo moderno”, diz-se, seguido por uma câmera perspectiva: roda, acompanha e troca percepções. Tudo com estrutura de cinema clássico, à moda de Alfred Hitchcock, adaptado à atualidade que conta com os filmes “Corra!” e “A Morte Te Dá Parabéns”, estes dois produzidos pela mesma daqui, Blumhouse.
É um filme pop e jovem. Cria-se camadas psicanalistas de um estudo de caso mental. O que analisamos é o poder de um Bullying, que nunca passa e que cada um aprende a lidar com as consequências e marcas imputadas. Como foi dito, há maneiras e maneiras. No seriado da Netflix, “13 Reasons Why”, a protagonista não aguenta a pressão e motivada pela sensibilidade dramática se mata e deixa fitas “culpa”. No filme “Carrie, a Estranha” (1976, de Brian De Palma), a vingança acontece por poderes especiais aos moldes criativos de Stephen King. Aqui, o roteiro opta pelo elemento temporal de causa e efeito. “Ma” caminha pelo limite tênue da espontaneidade e da caricatura (por exemplo, o colega afetadamente gay de trabalho), dos diálogos sinceros e dos forçados (“bunda bonita”). É um filme que observa, que espreita, que personifica o olhar do stalker a menores ávidos por festas e “oferece proteção” cúmplice. Mas é também uma obra tipicamente americana e pululante à estrutura de Hollywood, ainda que busque o ar independente da criação. “Cães matam mais que tubarões”, informa-se.
E sim, precisamos falar sobre a atriz que encarna a Carrie dos tempos pop. Octavia Spencer imprime em seu papel, talvez o mais desafiador e icônico de sua carreira, natural sutileza em interpretar pelo olhar. Trabalho esse irretocável (especialmente por coletar as frustrações dos outros e remodela-las como cartas na manga), só mesmo atrapalhado pelo final preguiçoso, afoito, apelativo e impulsivo demais (para que a história fosse fechada), e digno de comparação ao da atriz Kathy Bates em “Loca Obsessão” (1990, de Rob Reiner, também baseado no livro homônimo de Stephen King). É, definitivamente, o escritor foi uma referência marcante na direção do americano Tate Taylor (de “A Garota no Trem”, “Histórias Cruzadas”, também com Octavia).
“Ma”, que divide núcleos apresentados de forma intercalada e paralela, com a digressão da lembranças que conectam e explicam, é sobre a influência do psicológico, de jogos mentais e “amigos infiltrados”. É sobre uma única ação que pode mudar todo o rumo de vidas em progresso, igual a Teoria do Caos que nos apresenta o Efeito Borboleta. Uma escolha errada à pessoa errada. Uma aparente gentil e simpática estranha (mais carente e solitária), uma “Madea” e “coroa que quer sentar na cara de um deles”. Começa-se. Uma perseguição motivada e altamente pessoal entre descasos com o trabalho, diversão nas pedras e policiais solidárias.
O longa-metragem é sobre jovens sendo jovens, não pensantes e inocentes ao aceitar “entregas secretas” e sem a maldade de enxergar o errado de convite a um novo lugar “sinistro e assustador”. Quase um “Pague para entrar, reze para sair”. Sim, abandono e descarte social pode desencadear uma sucessão de reações psicopatas, últimas jogadas, cartas urgentes e olhares de aviso. Pois é, todo apuro técnico acaba sendo jogado no lixo pelo final descuidado e desesperado. É incrível como poucos filmes conseguem manter ritmo e cadência até a derradeira cena, que pelas palavras do cineasta e produtor Cavi Borges, é a última coisa que fica na mente. Não é ruim, mas o final poderia ter sido melhor preparado.