Los Huesos
Stop-motion: a beleza sombria da permanência quadro a quadro
Por Giulia Dela Pace
Festival de Veneza de 2021
A delícia de um tipo de “mockumentary”, e da falsa sensação de documentação. “Los Huesos”, curta-metragem de quatorze minutos dirigido por Joaquin Cociña e Cristóbal León, o primeiro filme de animação stop-motion do cinema chileno. Assim, é contada a história, pois além de ter sido encontrado e restaurado sem grandes informações sobre a origem da obra mística, em termos de narrativa e produção, o teor político e a manipulação da linguagem cinematográfica da obra são inegavelmente impressionantes se compreendida a datação do filme. Ao menos, como os diretores pretendem fazer questionar, e num primeiro momento até impressionar, o espectador pela incoerência de tecnologias e com seu tempo.
Mas animação, como sempre, é utilizada desde a propaganda ideológica e institucional, até o puro entretenimento industrioso direcionado ao mais grave derretimento cerebral, como certas animações infantis e adultas que definitivamente não pretendem nada além de causar um riso escandaloso ou uma lavagem cerebral nos espectadores. E justamente por ser esse mecanismo hábil ao falar sobre assuntos pesados, assustadores e até mesmo indigestos – como a invocação de espíritos que simbolizam não só a morte física, mas a morte de liberdades no Chile no caso de “Los Huesos” – de forma visualmente menos “impactante” que a animação sempre foi tão bem sucedida no mercado industrial e independente de cinema.
Assim, o primor do fantoche, dos cenários, dos “efeitos especiais”, das explorações de linguagem, das simbologias que criticam acidamente a cultura da política chilena e a estranha profundidade de campo para a época só poderiam mesmo ter sido feitos por artistas plásticos e cineastas contemporâneos tão geniais, como Cociña e León. Especialmente pelo histórico dos artistas com obras historicamente acuradas quanto ao design de produção e que caem em um vortex atemporal de discussões morais, políticas e mesmo de gênero, como é visto em Lucia (2007) e Casa Lobo (2018).
O que “Los Huesos” tem de bonitinho e engraçadinho tem de horrível e arrepiante quando é possível compreender o objetivo do filme, pois o simples – mas não fácil – traz consigo certa abertura para maiores reflexões e direcionamento do espectador para um funil de mensagens claras, mas não explícitas. Assim, de forma excepcional a direção de arte, as trucagens circulares como molduras, os closes, movimentos orgânicos – que por si só já fariam um stop-motion magnífico –, e por fim todo o conjunto da obra entrega uma produção “redonda”, passível de entretenimento, mas principalmente passível de exercitar o pensamento crítico do espectador… nem que seja para arrancar umas poucas e dolorosas risadas.