Licorice Pizza
Minha quinta série saúda a sua quinta série
Por Ciro Araujo
Festival de Toronto 2021
A palavra em inglês “licorice” se traduz para o português como alcaçuz ou regaliz. “Licorice Pizza”, novo longa-metragem de Paul Thomas Anderson sai como uma brincadeira de criança já a partir da escolha do nome do seu projeto: uma pizza de alcaçuz; um doce. Uma feliz decisão para projetar uma antítese das produções mais recentes do cineasta que faz parte dessa chamada nova onda de diretores estadunidenses. Claro, hoje já não tão novos, vide o próprio Tarantino correndo pelas ruas sessentistas de Hollywood de forma livre simplesmente para um puro fetiche do olhar cinematográfico. Já Paul, como sempre, ama suas lembranças dos anos setenta e repete uma pessoalidade dentro da película. É uma constante, na realidade, uma lembrança perdida que também permeia em Richard Linklater sempre que se volta ao período em seus filmes. São três exemplos dessa tal “nova” Hollywood que ama o antigo. Curioso, no mínimo.
Se em muitos veículos midiáticos reiteram o aspecto de “coming of age” de “Licorice Pizza”, talvez se abstraia muito o conceito de amadurecimento do filme. O novo filme de PTA (Paul Thomas Anderson, para os íntimos), é propositalmente sacana, um humor infantil constante e inclusive necessário. De um lado, uma criança de quinze anos que age como um mafioso e acredita estar preparado para os desafios da vida adulta. E que por sinal, interpretado pelo estreante filho do finado e incrível Philip Seymour Hoffman. Do outro lado, uma mulher na casa dos vinte e cinco anos, que também aposta em estar preparada para viver sua vida adulta independente e fazer “a diferença”, porém está dentro de uma espiral infantil. Duas alegorias sobre maturidade e o quanto na realidade não existe em ambas. Isto é, o “coming of age” que é um gênero por tabela sobre esse crescimento pessoal da idade se perde dentro do filme que aplica e muito bem sobre essa constante falta de (crescimento).
Em consonante com sua filmografia, PTA decide repetir temas. O amor, do incrível e majestoso “Embriagado de Amor”, o ator mirim e a fama como rebate dentro da dinâmica familiar no épico “Magnólia”, o petróleo dentro da sociedade estado-unidense de “Sangue Negro”, o ciúmes e inveja em “Trama Fantasma”. O que rebate novamente nessa “nova” Hollywood. Essa década de 2020 parece sofrer de um mal de filmes de despedidas, um encontrão de temáticas e olhares aperfeiçoados. Em compensação, Paul é contrário ao tradicional amadurecimento imposto. Os próprios comentários sutis sobre a indústria o tornam um cineasta transformado em personagem; sua fotografia, desde seu último filme com Daniel Day-Lewis, é realizada pelo próprio com a ajuda do entorno de sua equipe. Os créditos dessa vez compartilham com Michael Bauman, ao em vez de simplesmente não existirem em “Trama Fantasma”. Ainda assim, o comentário a respeito de uma autoria própria e que afasta a hierarquia cinematográfica segue existindo. E perfeita para um filme infantil.
Por consequência dessa soltura que Anderson anuncia em seu cinema, ele caminha para uma fase da carreira de ligar o tradicional modo de não ligar para muito das coisas, mas sem perder alguns de seus clichês. É claro, é um descendente norte-americano, ele por si não consegue correr muito para além dessa direção. Apesar de estar preso nesse sistema, novamente, ele encontrou uma maneira de se soltar. Não é à toa, é seu longa-metragem mais caótico desde 1999 e constrói as passagens e cenas uma em cima da outra, empilhando-as. Ao final, uma grande Torre de Babel composta da sopa de personagens apresentados. Explica-se assim seu “gaze” (a percepção ou olhar), que é composto de homens extremamente falhos e noções masculinas que pesam para uma toxidade exposta. Homens inseguros, sem um porto seguro, que atuam acima da própria consciência. Mais um ponto para esse anti-amadurecimento produzido aqui.
“Licorice Pizza” querendo ou não é aquele termo tão reciclado de “caos organizado”. Mas é tão cabível para um filme que se propõe acima de tudo como uma grande brincadeira de crianças que envolvem peidos e pênis, mas estão no centro de esquematizações e política. E ainda acham que são realmente capazes de fazer essa tal de política. De fato, o lado que Paul Thomas Anderson encontrou foi de jogar tudo para o ar e costurar essa necessidade de o infantil participar de uma sociedade altamente liberal contemporânea. Ativando a ironia, quem diria que política realmente está em absolutamente tudo?