A Legalidade tão pouco falada
Por Marcelo Velloso
Durante o Festival de Cinema de Gramado 2019
O longa-metragem “Legalidade” dirigido por Zeca Brito se passa no Brasil em 1961 e conta de quando Jânio Quadros renuncia à presidência. Conforme a Constituição, o seu vice-presidente João Goulart seria o sucessor ao cargo, porém os militares lideram um esforço para impedir a posse do mesmo. O movimento Legalidade que inspirou o filme, teve a liderança de Leonel Brizola, interpretado pelos atores Leonardo Machado e Sapiran Brito, filho do diretor.
Tal movimento buscava garantir a posse da presidência por parte do Jango. Em meio a esse contexto é nos apresentado um triângulo amoroso entre Cecília (Cleo Pires), uma agente da CIA, o antropólogo Luis Carlos (Fernando Alves Pinto) e Tonho (José Henrique Ligabue), irmão do anterior.
Zeca Brito, também diretor de “A Vida Extra-ordinária de Tarso de Castro”(2017) traz em “Legalidade”(2019) imagens de arquivos da época em meio à ficção, o que funciona muito bem, uma vez que cumpre um papel de gancho documental para posicionar os fatos na história do Brasil. O paralelo de cenas de tempos diferentes também foi bem efetivo no filme, além de trazer leveza no final e de proporcionar um bom final ao filme. As cenas com Leonel Brizola (Leonardo Machado) fomentando a mobilização popular em prol da Constituição funcionam como combustível no filme.
Algumas fragilidades estão notórias no filme que por conta do romance que traz, acaba caindo no formato de folhetim, assumindo uma linguagem bastante novelesca. Talvez seja até uma tentativa de Zeca Brito de deixar o longa-metragem mais comercial, porém acaba de certa forma o filme. As cenas em que Cecília (Cléo Pires) entra em contato com um norte-americano são de um clichê imenso e que até a forma de falar o texto. Alguns pequenos descuidos são notados no filme, como por exemplo, no momento em que a personagem de Letícia Sabatella rabisca um jornal que seria de um arquivo histórico.
Quanto ao elenco de “Legalidade”, o trabalho derradeiro do ator Leonardo Machado como Brizola é digno de muitos elogios. Com uma interpretação visceral e demonstrando todo estudo para a composição do personagem, tanto da voz como do gestual, o ator se destaca no filme. O ator consegue convencer ao dar a devida relevância ao discurso de Leonel Brizola, o que é essencial para o personagem. Os pronunciamentos de Leonel Brizola exigem aquela força pelo peso que carrega na resistência e na luta daquele tempo. Não é a toa que o ator merece um parágrafo inteiro para falar do seu desempenho.
Cléo Pires faz o papel da misteriosa jornalista Cristina do “The Washington Post” que na verdade não passa de uma agente da CIA, parte ficcional que Zeca Brito inseriu no roteiro. O desempenho da atriz deixa a desejar, o tom arrogante é levado pela personagem no filme todo. Fernando Alves Pinto consegue um bom resultado como Luis Carlos, mas quanto ao ator José Henrique Ligabue é observada certa instabilidade, com alguns momentos notórios de fragilidades no papel. Sapiran Brito, pai do diretor Zeca Brito, interpreta Brizola mais velho e nos proporciona cenas bem emocionantes no longa-metragem.
Há bastante cuidado com os figurinos e com a ambientação das cenas de época. O filme no geral tem um visual bonito, com iluminação pensada com bastante cuidado e com cortes para cenas de arquivo em sequências bem encaixadas. A trilha sonora também é um ponto alto do longa-metragem contribuindo muito em algumas cenas, como no momento em que a Cecília (Cléo Pires) encontra-se de pé na janela e Luis Carlos (Fernando.Alves Pinto) na cama deitado. É bonito o “casamento” da música tocando na rádio e Cecília cantando e se virando para o moço.
Quanto ao final do longa-metragem, há cenas emocionantes e uma especificamente bem tosca, a da guerrilha, que não é bacana detalhar para não cair no erro de dar spoiler, mas quem ler o que aqui consta e assistir o filme,vai entender. O filme “Legalidade” recupera um movimento histórico bastante importante que por si só teria bastante “material” e ganchos segurar o público. É inegável que houve estudo apurado para execução do filme que nos apresenta os fatos históricos de maneira fiel, mesmo acrescentando a parte ficcional. No geral, o filme tem bons momentos e precisa ser assistido pelo máximo de pessoas possível.