Landscapes of Resistance
A história do número 82298
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Roterdã 2021
Uma paisagem pode ser vista como inocente após ter sido palco-ambiente de bárbaros acontecimentos históricos? Há imunidade humana em ressignificar e perdoar o olhar? As elucubrações são o foco-caminho do longa-metragem “Landscapes of Resistance”, da realizadora Marta Popivoda, nascida na Sérvia, mas morando em Berlim, compõe a seleção da mostra competitiva oficial do Festival de Roterdã 2021. A narrativa, híbrida entre a poesia sensorial (com um que intimista de Jonas Mekas); desenhos em tela; a metafísica das formas (estética, conceitual, artística e fusões à percepção do invisível); o voice-over que narra as memórias; e o cinema verdade com a entrevista direta, experimenta os sentidos (especialmente pelos detalhes da casa), querendo o estímulo da reação. Nós espectadores somos convidados a contemplar e a ouvir. E a responsabilidade-consequência de unir as emoções é inteiramente nossa.
“Landscapes of Resistance” é um relato de resistência por uma sobrevivente dos campos nazistas de concentração. Seu número “tatuado” é a prova viva da História. Ainda que toda memória, sempre nunca confiável, aumente, potencialize e/ou suavize pontos contados, essas lembranças tornam-se mais reais quando são intercaladas com as paisagens “originais” modificadas e re-significadas pelo tempo (aparentemente inofensivas, mas que eram temidas na época). Sabido pelos cientistas que todo homem é um ser adaptável a seu meio, Sonja (nossa protagonista e a “contadora”), uma das primeiras mulheres partidárias na Sérvia a ajudar na liderança à resistência em Auschwitz, lutou até o fim para que fosse possível envelhecer com vaidade e com seu gato, observando o florescer das flores do antes no agora presente (só possível pelos arquivos antigos captados no passado, como o coral gregoriano versus a miséria e o sangue no campo e/ou o silêncio versus o som nas ruas e/ou pelo ruído intermitente de obra que acompanha todo o filme versus o lema “Trabalhar liberta”).
A obra, que se intitula um “filme partidário”, conduz-se pelo minimalismo, pela observação estendida e pela “literatura progressista”. Quase incompatível aos olhos tão capitalistas de hoje. Tudo acontece por uma captação do tempo pausado, de casamento, nascimento, de vidas, salvação, ativismo, conexões comunistas, esperanças buscadas e “lutar pela liberdade e não morrer sendo covarde”. “Landscapes of Resistance” também pode ser definido como uma “Comissão da Verdade”. Uma terapia cognitiva de personificar as vozes de raiva resiliente guardada por tantos anos, apenas pelo fato de ser “diferente” e “freak”. É também um filme sobre mórbido turismo histórico, o de visitar os lugares que serviram de campos. A imersão, pelo psicológico sentimental, gera ao mesmo tempo uma proteção (suavizada pelo lado cá de trás da câmera) e uma melancolia impotente (desesperança que ainda nos dias atuais ainda nos preocupemos com uma possível volta do fascismo).
Assim, por isso, “Landscapes of Resistance” é um documento-depoimento tão relevante. O de não fazer esquecer, como ficcionalmente abordado no filme “Labirinto de Mentiras”, de Giulio Ricciarelli, sobre tentativas de se apagar a História para “refazê-la”, que por sua vez pode desencadear a intolerância: O filme “A Valsa de Waldheim”, de Ruth Beckermann. Uma das frases ditas no seriado “Game of Thrones” pode concluir estas linhas analíticas: “O povo te matará se você for um rei perverso e idiota”, junto com o livro de mesmo nome “The German Films of Danièle Huillet and Jean-Marie Straub (Os Filmes germânicos de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub)”, de 1995, por Barton Byg.