Jeffrey Epstein: Poder e Perversão
Algo insatisfeito, insaciável, está dentro de mim
Por João Lanari Bo
Netflix
“Jeffrey Epstein: Poder e Perversão” é uma minissérie sobre um absurdo inominável: um milionário com estampa de playboy, solteiro e cortejado por ricos e famosos, filantropo doador de pesquisas científicas em Harvard e MIT, dono de uma ilha no Caribe, mansões em Nova York e Palm Beach, apartamento em Paris e fazenda no Novo México – revelou-se, enfim, um predador sexual, obsessivo por menores adolescentes, em uma escala inimaginável. Bill Clinton viajou inúmeras vezes no seu Boeing 727: Bill Gates jantou com ele, também inúmeras vezes; e o Príncipe Andrew, Duque de York, filho da Rainha Elizabeth e oitavo na linha sucessória do trono inglês, passou fins de semana na ilha. Donald Trump convidava Jeffrey para suas festas na Florida: Woody Allen e Harvey Weinstein, do mundo do cinema, eram seus amigos. Se o leitor tiver paciência, uma consulta à Wikipedia irá descortinar uma vida de intensidade surpreendente – e ficará perplexo. Ou melhor, ficará perplexo apenas se estiver mal informado, como diria o Barão de Itararé.
Uma das perplexidades, que a minissérie expõe sem rodeios, é a sucessão de contorções e malabarismos utilizados para escantear a justiça: desde 2005, quando uma mulher entrou em contato com o Departamento de Polícia de Palm Beach, na Flórida, e alegou que sua enteada de quatorze anos havia sido levada para a mansão de Epstein, foi um acúmulo de investigações e denúncias, subornos e intimidações, corrupção e impunidade. Assusta a enorme quantidade de energia que foi deliberadamente gasta na vileza: durante todo esse tempo, o milionário não esmorecia em suas proezas sexuais – um ex-funcionário em Palm Beach contou à polícia que Epstein recebia “massagens” três vezes ao dia. Ainda na Florida, o FBI entrou na jogada – e foram contabilizadas 40 menores “confirmadas”, elegíveis para restituição financeira, cujas alegações de abuso sexual incluíam detalhes comprovadores. Não foi fácil conseguir as entrevistas para “Jeffrey Epstein: Poder e Perversão”, disse a diretora Lisa Bryant: “Algumas pessoas não falavam, alguns números estavam errados, algumas decidiram que simplesmente não iriam falar, por vários motivos. Algumas nem mesmo contaram a seus pais sobre isso.” O poder de intimidação de Epstein era bastante forte, e muitas das sobreviventes, frustradas com acordos judiciais escusos e a virtual imunidade do acusado, acabavam desistindo e seguindo suas vidas.
Nietzsche, num daqueles aforismos inquietantes, anotou:
Quem poderia me acusar de pecado hoje? Eu só conheço pecados contra meu deus; mas quem conhece meu deus?
E Dostoiévski, que Nietzsche lia e admirava – ele era “o único psicólogo com quem eu tinha algo a aprender” – escreveu:
Ao pecar, cada homem peca contra todos, e cada homem é pelo menos parcialmente culpado pelo pecado de outro. Não existe pecado isolado.
Que demônio habitava a alma de Jeffrey Epstein, um judeu classe média nascido no Brooklyn que estudou dois anos de Física, forjou um CV para ensinar matemática em um colégio chique em Manhattan e deu um salto para Wall Street? Dotado de um poder de sedução mefistofélico, aproximou-se de um bilionário real, Les Wexner – dono um império global de varejo de lingerie e roupas de banho – e tornou-se, durante 12 anos, seu gestor financeiro e consultor íntimo. Amigos de Wexner não conseguem explicar como isto ocorreu: depois do rompimento entre os dois e do volume de acusações contra Epstein, Wexner – que não concedeu entrevista para a minissérie, nem qualquer outro meio – deu uma seca declaração, expressando “solidariedade com as vítimas”. Estas também foram as palavras que o Príncipe Andrew usou para tentar limpar sua barra perante os súditos ingleses, diante da acusação de que teria feito sexo com uma menor, estimulado por Epstein e sua namorada-agenciadora, Ghislaine Maxwell (a saia justa do Príncipe piorou depois da conclusão da minissérie). Outro efeito devastador das revelações sobre Epstein foi entre os recipientes das doações. O MIT – Massachussets Institute of Technology, a joia da coroa dos centros de pesquisa nos Estados Unidos – recebeu fundos do milionário mesmo depois que as acusações de abuso sexual começaram a aparecer na mídia, e teve que se desculpar publicamente por essa “distração”.
“Jeffrey Epstein: Poder e Perversão” estreou menos de um ano depois da morte de Epstein, com 66 anos, oficialmente por suicídio, em uma prisão de Nova York. “Não há justiça nisso”, disse Shawna Rivera, uma das sobreviventes, que acusa Epstein de abuso quando ela tinha 14 anos: “havia muito mais a ser dito que nunca será dito.” Uma das histórias mais patéticas que veio à tona, depois do óbito, foi o desejo que Epstein teria expressado de fecundar, com seu esperma, vinte mulheres: ele seria adepto da eugenia e queria distribuir seu DNA. Um pouco antes de morrer, assinou um testamento destinando os quase 600 milhões de dólares de sua fortuna para herdeiros não revelados. Não faltam teorias da conspiração sobre as circunstâncias da sua morte: o legista lavrou suicídio por enforcamento, embora especialista contratado pelo irmão tenha levantado dúvidas, citando uma fratura incomum no pescoço. Um fundo está sendo constituído para indenizar as vítimas: as batalhas legais estão apenas começando.
1 Comentário para "Jeffrey Epstein: Poder e Perversão"
No meu romance Noite em Paris que publico no blogue de mesmo nome se fala de um
personagem deste quilate. Muito comuns pessoas endinheiradas servir-se deste expediente para fazer fortunas, principalmente pessoas que não se importam de hoje estar aqui e amanhã estar do outro lado mundo.