Direção: Marco Abujamra,
Co-Direção: João Pimentel
Roteiro: João Pimentel, Marco Abujamra
Fotografia: Marco Oliveira.
Edição: Marco Abujamra
Montagem: Marco Abujamra
Música: Jards Macalé
Distribuidora: Moviemobz
Duração: 71 minutos
País: Brasil
Ano: 2008
COTAÇÃO: ENTRE O BOM E O MUITO BOM
A opinião
Um morcego na porta principal dá o título ao documentário sobre o polêmico cantor Jards Macalé. Vencedor do prêmio de Melhor Documentário no Festival do Rio de 2008, o filme retrata a “reputação” construída pelo artista em questão.
O longa joga uma luz sobre a trajetória nada linear deste artista, tijucano, contestador e personagem controverso da cultura brasileira nas últimas quatro décadas. Autor de “Vapor Barato” e “Movimento dos Barcos”, parceiro principal de Waly Salomão, violonista e arranjador de Gal Costa e Caetano Veloso, ator e autor de trilhas de Nelson Pereira dos Santos, amigo pessoal de Lygia Clark e Hélio Oiticica. Mas, antes de tudo, o “maldito” que sonha em ver a palavra amor na bandeira do Brasil.
“Eu não confio nisso. Eu posso processá-los se não gostar. Tenho medo que vocês desconstruam tudo o que eu conseguia na vida. A minha vida”. Chamado de “Faquir da dor”, “Bugre”, o roteiro intercala com imagens de arquivo de cameras Super-8 sobre sua infância e sobre a vivência na música popular brasileira. Ele absorveu o nome ‘Macalé’ por causa de um jogador de futebol. “Queriam me gozar, então virei Macalé”. Sobre o entender, ele diz “Nem eu conheço Macalé”. “Não sou maldito. Maldita é a mãe”, diz sobre o termo que o rotularam, com uma camisa de super homem.A vida dele sempre respirou música. O pai tocando música, a mãe cantando e a avó ninando. As imagens dividem a tela em duas. De um lado o show propriamente dito, na música “Um Marginal Brasileiro”, do outro os bastidores, com direito a troca de roupa, ficando de cueca para a camera. Ele utiliza a brutalidade em seus diálogos e colocações. Tenta provar todo momento que é um revolucionário de tudo e contra tudo. “Ela não dá o braço a torcer”, diz-se. O personagem criado por Macalé, e absorvido por ele, comporta-se ranzinza, zangado e com uma irritabilidade excessiva. É um invocado de plantão. “Sou um selvagem”, vocifera e complementa “Não sou uma pessoa civilizada. Eu fui expulso de todos os lugares”. Ele apresenta-se como marrento e abusado.
As outras imagens mostram Ipanema, em 1951, “uma aldeia”, diz-se. Há também as histórias de sua vida, o primeiro trabalho. Hilárias e agressivas. Com depoimentos de Nelson Pereira dos Santos, Dori Caymmi, Chacal, Capinam, Ruy Castro “Ele foi vaiado e ficou maldito”, Paulinho da Viola “Debochado e irônico”, Cafi, Abel Silva, Luciano Figueiredo, Luiz Melodia “Macau”, Moreira da Silva, José Celso, Nelson Motta e Maria Bethânia que disse “Ele me puxava para molecagem, brincadeira, a anarquia. Eu morei na casa da Tia Lígia, mãe de Macalé. Ela, a tia, era rígida com horários, mas a gente dava um jeito de quebrar as regras”, com imagens do filme “Maria Bethânia bem de perto”, de Julio Bressane.Dori diz que Macalé fez uma cena escandalosa de um homossexual em um lotação (ônibus da época) para ele só porque “mudei o acorde de uma música dele”.
“Os patos começaram a responder. Patos são malucos. Eles respondem”, diz com seu deboche irônico. “A existência do outro é a primeira concessão”, diz-se. Vivenciou o Tropicalismo, a passeata contra a guitarra elétrica. Ele criou a metáfora do Brasil em Gotan
City e os morcegos eram os símbolos da porta principal. Experimenta sons de deboche, gritos, paradinhas musicais. Ora canta, ora recita. Ora os dois juntos. “O Banquete dos Mendigos”, projeto pelos Direitos Humanos, envolveu “o cinema, o teatro, a música,
todos em falência, no Governo Medici”, disse Ivan Junqueira. Participaram Raul Seixas, Dominguinhos, Chico Buarque, Jorge Mautner, Paulinho da Viola, Edu Lobo e vários outros em um show no Museu de Arte Moderno, do Rio de Janeiro. Era a revolução das palavras, “mais lógica e com sentido”, diz-se.
“Todas as gravadoras são atravessadores”, diz e complementa “As produtoras roubam dinheiro”. Por causa do seu atrito com o poder, Macalé foi cortado da produção musical. “Ele ia romper com ele mesmo”, sobre a tentativa de suicídio. “Quem tem medo de ressaca, não vai morrer”.
“Amuleto de Ogum”, de Nelson Pereira dos Santos que diz que a melhor trilha de um filme seu foi feito por Macalé. “Se me der na veneta eu mato, se me der na veneta eu morro”, parte da música do filme.
“Ouça seus barulhinhos”, diz sobre a solidão. “Aí você nunca está sozinho. O mínimo é você consigo mesmo e com os seus ‘eus’ que não são poucos”. Ele reúne o popular e o contemporâneo. Utiliza a versatilidade. Amigo da vanguarda brasileira e de Glauber Rocha.
“Macalé é um luxo”, o artista é definido. “Eu quero ver amor escrito na bandeira do nosso país”, diz. “Quero ver o Congresso Nacional discutindo o amor”.
O documentário é bem feito, editado, com ótimos diálogos e frases de efeito. Mas cai no senso comum, apesar de ser divertidíssimo. Vale a pena ser visto pelo o que Jards Anet da Silva (Rio de Janeiro, 3 de março de 1943) diz e o que é dito sobre ele.
Nasceu em São Paulo, em 1973. Estudou Composição e Regência na UNI-RIO. Compôs diversas trilhas sonoras para teatro e cinema. É sócio e diretor da Dona Rosa Filmes desde 2002, ano que dirigiu seu primeiro curta-metragem, A Sauna. Em 2007, fez a produção executiva do filme Mulheres Sexo Verdades Mentiras. Jards Macalé – Um Morcego na Porta Principal é seu primeiro longa documentário.