Inverno em Paris
Impulsões ferventes de um adolescente em luto
Por Paula Hong
A irrupção abrupta da vida de alguém amado é vivida por quem fica de diversas maneiras. O luto, coletivo ou pessoal, ou os dois, perpassa por caminhos tortuosos e arriscados ora dosados por momentos de pausa, ora continuamente trabalhados nos alívios de retorno imediatos. Para quem a vida só está começando, a morte de quem ama é um sinal, um chamado: a busca pela independência e pelas vivências mais fundamentais para a formação de si. Com “Inverno em Paris”, o diretor Christophe Honoré concentra o filme em Lucas (Paul Kircher), com seus impulsos e insaciedade pueril, no cerne da história que, após a morte do pai de Lucas, se desenrola segundo os escapes que Paris promovem a ele.
O adolescente, ainda fora de Paris, detém de uma liberdade (não sem consequências) que é colocada desde o início da obra: ele narra seus sentimentos, seus pensamentos, escolhe o momento que aborda um acontecimento ou uma pessoa. E embora no inverno, onde os dias escurecem mais cedo, a luz cegante do sol que consegue atravessar as nuvens torna menos sofrido o confronto com a notícia da perda. A mãe, Isabelle (Juliette Binoche) e o irmão mais velho, Quentin (Vincent Lacoste), acumulam senso de proteção que não doma Lucas; ao contrário, parecem alimentar, no momento de fragilidade onde dizer não soa limitador, as tomadas de decisão do menino: largar o colégio e ficar com o irmão na capital. A morte do pai, portanto, muda a direção da vida dos três enquanto família, mas também individualmente, catalisa o que Lucas passa a ver como a vida deve ser vivida — com independência e em busca de experiências, do amor, de conexões.
E inevitavelmente tomado pelo luto, Lucas vê a sua liberdade em Paris como oportunidade para desviar-se da necessidade de lidar com a perda. Ele parece a todo momento recorrer à visão romântica clássica de adolescente que, a partir da dor, cria e procura situações (muitas vezes arriscadas) que vão levá-lo a sentir-se mais vivo. Isso é demonstrado pela forma como a câmera acompanha seus deslocamentos frenéticos, o situando na multidão. Ou quando adentra, muito observadora, os espaços de intimidade de suas relações — sobretudo quando explora sua sexualidade. Raramente o vemos chorando, descontente ou chateado. Lucas contorna suas impulsividades com outras. É nesse desregulamento de emoções que fica claro, no entanto, o processo de luto, de viver pelo pai enquanto a dúvida se foi de fato um acidente ou proposital atormenta Lucas.
A duração de “Inverno em Paris” parece utilizar-se do alongamento dos dias frios de inverno para prolongar o faz de contas de Lucas, de modo que mudança de cenário de uma cidade afastada do centro para a cidade grande aprofunda o desespero impulsivo de Lucas. Suas atitudes descuidadas antecipam o curso natural das coisas — descobertas da vida adulta, experiências sexuais, relacionamentos não-tradicionais, as novidades que somente a cidade grande parece fornecer. As aventuras de Lucas maqueiam e interrompem uma relação com o luto que a mãe provavelmente passa, mas Honoré não mostra. Ao contrário, navegamos pelo luto de um adolescente que, sempre em movimento, e imerso na agitação interna e externa da idade, não se permite parar e pensar sobre a situação. O pai morreu e a decisão máxima foi tomada: viver numa intensidade que ao mesmo tempo consegue cumprir a função de sentir-se vivo e adormecer a negatividade do luto.
Mas o temporário conto de fadas é desmoronado pelas mesmas razões que o levaram a construi-lo. Para alguém que viver era o propósito, de repente tal pensamento não fazia mais sentido. As relações — com a mãe, com o irmão, com o melhor amigo do irmão, com Paris — diluem-se como as neves de um inverno prestes a acabar. Com tudo o que sente à flor da pele e após uma tentativa de suicidio, Lucas simplesmente para: para de falar, de sorrir, de correr, de andar. Enclausura-se em si mesmo numa espécie de clínica de reabilitação. Mas, aos poucos, floresce de novo, mesmo que no inverno. O adolescente parece sempre estar no comando da própria vida: decide quando deve viver e quando deve morrer. “Inverno em Paris” dilata e conserva na atmosfera cinza e fria do inverno as impulsões ferventes de um adolescente em luto.