HISTÓRIAS DO CINEMA EM QUESTÃO: AS INDÚSTRIAS DE SONHOS, no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro, é uma série de oito palestras que traçam um breve panorama dos cinemas brasileiro e americano, especialmente em algumas de suas
manifestações mais representativas.
O evento quinzenal, toda terça-feira, de 23 de fevereiro e 01 de junho de 2010, que tem entrada gratuita, com a retirada de senhas uma hora antes, estimula a memória do cinema brasileiro e internacional pelos olhos de convidados que fizeram fama no meio cinematográfico.
Com a curadoria do jornalista João Máximo. O ciclo contará também com a presença de Luiz Carlos Saroldi (que não pode comparecer ao primeiro encontro, sendo substituído pelo próprio curador), que atuará como mediador da série.
Ambientando-se ao universo apresentado
O CCBB estava lotado. Uma fila formava-se para o encontro no Teatro I. Pessoas da ‘melhor’ idade, jornalistas, estudantes de cinema e ou apaixonados por cinema estavam presentes e emocionados. Na platéia, Sérgio Cabral, pai e a rede de televisão Tv Brasil.
O curador da mostra, o radialista João Máximo, extremamente simpático, educado, porém preocupado com o horário de início. Uma senhora cantava “Tá na hora, tá na hora”. Mas não atrasou muito. Apenas alguns minutos depois, o apresentador inicia os trabalhos com a apresentação de video sobre o convidado da vez.
O video teve depoimentos de vários famosos. Chico Anísio dizendo “Ele tinha um cadilac vermelho”, Malu Mader e tantos outros “Ele estreia, não aparece” destacaram detalhes para que o convidado fosse apresentado. Em um cenário com uma mesa e duas cadeiras de uma madeira nostálgica, através da cortina, surge o palestrante.
José Carlos Aranha Manga, mais conhecido como Carlos Manga, aparece e é aplaudido de pé por todos que se encontram. Ele, de blaser branco, diz “Meu Deus do céu” e complementa “Sou carioca felizmente. Nasci dia 06 de janeiro de 1928, dia de Reis”. Extremamente espirituoso engraçado (de forma “cínica”) passeou pela sua história do cinema, que é a do gênero Chanchada. “Eu sou de uma época que íamos ao cinema para rir”. Com 82 anos, interagiu todo o momento com a plateia. Lembrando e confidenciando o que viveu e o que realmente o fazia sentir-se melhor.
“Pegava os discos de (Frank) Sinatra, traduzia para as namoradas, e em certo momento pedia licença a ele para curtir sozinho com elas”, diz sobre como se paquerava naquela época. O romantismo era diferente. Era explícito sem ser. Era direto, sem rodeios, sem o politicamente correto, sem lamentações, porém tudo com uma pureza realista do querer.
A trajetória da vida de Carlos Manga, neste evento, dividiu-se em as estrelas de sua vida. O que foi mais importante. Então, daí as explicações sobre a cronologia de uma época. A primeira estrela foi Al Jolson, o primeiro homem que cantou no cinema (O Cantor de Jazz – Jazz Singer, The, 1927) Pintava-se de preto. A segunda estrela foi meu pai, Américo Rodrigues Manga, que fez plateia suspirar. A próxima, Luiz Severiano Ribeiro Junior, com os muitos cinemas que tinha.
“Eu comecei fazendo um número musical, dançando com Oscarito, outra estrela. “Se ele tivesse nascido, seria um Chaplin, um Jacques Tati. Ele pedia que eu o imitasse antes da cena e dizia que imitava os meus gestos para que ele não se repetisse”.
No meio do evento, o celular do convidado toca e ele atende “Eu tô numa palestra”, que leva todos às gargalhadas. A carreira dele continua. As próximas estrelas são os comerciais e as novelas. Sobre Grande Otelo dizia “Ao invês de água, ele bebia outra coisa” e deixava os filmes no meio e sempre chamava Manga de Aranha. Outro gênio era Zé Trindade “Ele era um cômico do microfone. Só sabia falar no microfone”. E sobre Chico Anísio “Ele é um gênio. A minha carreira na televisão devo a ele”.
Sobre a Atlântida “Tinha muita briga e muita dança. Eram romances açucarados que nos dias de hoje chegam a ser engraçados. O humor era debochado, irônico, cínico, picante, com piadas fortes”. Ele contou curisiosidades, bastidores. “Queriamos fazer os musicais, nós possuíamos uma passarela de 1 metro e oitenta contra os 180 metros dos americanos. Mas nós tivemos nosso ‘Cantando na chuva’ com a tomara que chova…”.
As outras estrelas eram sobre Dick Farney “Tocava piano muito bem. O melhor jazz que o Brasil já conheceu” e sobre seu filme “O Marginal” com Tarsisio Meira, em 1973, com camera distante e ou proximidade ao personagem, o filme expressa realismo, sem cortes desnecessários, com interatividade da imagem, fazendo com que o espectador estivesse na cena, participando ativamente. Manga experimentou estilos e técnicas em uma época precária. “É um filme sério. Fiz direitinho, né?”, diz.
Os comerciais que fez apresentaram-se polêmicos pela mensagem transmitida. Um mãe sofrendo pelo filho, o próprio participando com seu filho e como realizou um comercial da Caixa Econômica Federal em três dias. “Eram 30 do Oludum, só de cerveja dá 3 milhões. Então eu filmei os lugares que eles passariam, coloquei a tela azul, inseri as imagens, levei-os ao estúdio e pronto”.
“Eu não sei fazer televisão, nem um filme de 1 minuto. Não dá tempo, só dizer filme já acabou”, diz sobre as vinhetas de mini-séries, que muitas repercutiram polêmicas também, incluindo as novelas. Decadência foi uma delas “Isso deu encrenca”.
Sobre Al Jolson “No programa Record, na Roquete Pinto. Ele não podia vim. Então pedi uisque, pintei-me de preto, coloquei a letra para ler. A fumaça começou a subir, não enxerguei mais. Enfim, não disse uma palavra em inglês e cantei tudo errado, mas fui aplaudido de pé”, ri e leva todos a rir também. “É um cínico, um cara dura”, finaliza.
O encontro estava no fim, mas havia ainda algumas surpresas. “Foi muito bom pra mim, uma homemagem para vocês assistirem a minha vida”, termina com a música Smile, de Charlie Chaplin “Eu estou sempre rindo”. Sergio Cabral, pai, escreverá uma biografia sobre Carlos Manga. “Tudo isso será um livro muito bem feito e bem escrito por alguém que viveu a mesma vida que eu vivi. Obrigado Sergio Cabral. Ele vai escrever a verdade toda”, diz e chora.
“Eu parei de fazer filmes por causa das ofensas. Por isso fui a televisão”, desabafa. “Mas vou fazer meu último filme. Que eu possa passar de graça para todos e ficar aqui lembrando de tudo”, complementa.
“Quando eu vi 2012, eu perguntei a mim: porque eu não estudei para ser farmaceutico?”, fala sobre a violência do agora.
VERTENTES DO CINEMA ENTREVISTA CARLOS MANGA
O cinema de agora ainda possui novas ideias de criação?
Claro que sim. O cinema pode ser criado e recriado sim, como nao. O cinema nao acaba nunca, meu querido. É uma grande arte. É um coisa maravilhosa. O cinema tem momentos ruins. A itália foi dona do cinema no mundo, passou por um período grande e agora está bem por baixo. Amanhã vai está bem por cima de novo. Cinema é cinema.
E sobre os novos realizadores que não conseguem divulgar os seus filmes?
É um pena. Que eles não desistam, porque o cinema nao pode acabar. E como eu disse aqui, eu vou fazer um novo filme.
“O Homem do Sputinik foi premiado e visto por 15 milhões de pessoas de 60 milhões de habitantes. Eu tinha muito orgulho do que fazia e acreditava que era bem feito. Mas as ofensas, tipo ‘Carlos Manga e Luiz Severiano Ribeiro Junior, não sei qual é o ativo e o passivo’, o único detalhe é que eu gosto de mulher demais”.
Tudo é Cajado Filho “Ele criou a chanchada para sacanear a sociedade”. Depois a política mudou o tom do cinema e veio as “degradantes pornochanchadas. A meiguice começou a desaparecer”.
“Eles buscavam o que era arte”, resume-se a época apresentada. Um homem vai ao Manga e diz “Quero beijar sua mão. O senhor é um grande homem”, emociona-se.
É o espetáculo ou filme em que predomina um humor ingênuo, burlesco, de caráter popular. As chanchadas foram comuns no Brasil entre as décadas de 1930 e 1960. A produtora carioca Atlântida descobriu nos filmes carnavalescos um grande negócio, capaz de fazer muito sucesso entre o público brasileiro. Sem dúvida, ela foi a grande responsável pelo sucesso das chanchadas e a pioneira em adotar os temas carnavalescos em forma de musicais. Foram cinco fases: Primeira fase – As comédias mudas, Segunda fase – Os filmes musicais, Terceira fase – Os carnavalescos da Atlântida, Quarta fase – A chanchada e Quinta fase – As chanchadas B.
O diretor Watson Macedo, responsável pelos grandes filmes dos anos 40, filmou em 1949, com um argumento do galã Anselmo Duarte, o primeiro e ideal conceito de chanchada. Carnaval no Fogo contava com todos os igredientes do fênomeno desse gênero popular: O mocinho e a mocinha em perigo. O cômico tenta ajudá-los mas se dá mal. O vilão os aterroriza. Mistério. Luta final.
Final Feliz. Nesse filme, Oscarito e Grande Otelo protagoniazam a célebre cena do balcão, de Romeu e Julieta, e se consagram como os maiores comediantes do Brasil.
A Herbert Richers então chegou, como rival da Atlântida, e com a direção do ambicioso Luiz Severiano Ribeiro Jr, monopolizou o circuito comercial e exibidor. Surgiram novos e grandes cômicos: Zé Trindade, Dercy Gonçalves e Ankito, que tiveram seus grandes momentos. Uma enxurrada de chanchadas invadiam o país. A crítica cinematográfica ia à loucura. Condenava o gênero ao inferno.
Carlos Manga
Cineasta, produtor, é o mais famoso e popular diretor do período de ouro – os anos 1950 da Atlântida, onde esteve à frente de clássicos da chanchada como Nem Sansão nem Dalila (1954), Matar ou correr (1954) e O homem do Sputnik (1959). Foi presidente da Rio Cinematográfica Ltda. e diretor da Tycoon Produção Artística Ltda. Exerceu o cargo de Diretor de Controle de Qualidade da Rede Globo de Televisão. Como diretor de filmes publicitários, teve numerosos prêmios conquistados. Por sua contribuição ao cinema brasileiro, recebeu o primeiro troféu ‘Oscarito’, no Festival de Gramado.
Filmografia
1953 A DUPLA DO BARULHO
1954 NEM SANSÃO, NEM DALILA
1954 MATAR OU CORRER
1955 GUERRA AO SAMBA
1955 O GOLPE
1956 COLÉGIO DE BROTOS
1956 VAMOS COM CALMA
1956 PAPAI FANFARRÃO
1957 GAROTAS E SAMBA
1957 DE VENTO EM POPA
1958 É A MAIOR
1958 ESSE MILHÃO É MEU
1959 O HOMEM DO SPUTNIK
1959 O CUPIM
1959 O PALHAÇO O QUE É?
1960 DUAS HISTÓRIAS
1960 OS DOIS LADRÕES
1961 QUANTO MAIS SAMBA MELHOR
1961 PINTANDO O SETE
1962 ENTRE MULHERES E ESPIÕES
1962 AS SETE EVAS
1974 O MARGINAL
1974 ASSIM ERA A ATLÂNTIDA (documentário)
1986 OS TRAPALHÕES E O REI DO FUTEBOL