História de Borboletas
Partilhando transtornos
Por Chris Raphael
Festival Cavídeo em Berlim
A vida é feita de experiências compartilhadas. Partilhamos com um amigo, com um conhecido ou com um completo estranho, o mesmo ar que nos enche os pulmões a cada respiração. No mínimo isso. A natureza humana coexiste. Mas existem conexões incríveis, realmente especiais. Quando a conexão é tanta, os pensamentos se transmitem, as frases se completam e as loucuras se transformam em borboletas que escapam do casulo dos cabelos e alçam vôo.
“História de Borboletas” é um curta-metragem de ficção dirigido por Marcelo Brandão, baseado no conto homônimo de Caio Fernando Abreu (escritor e dramaturgo brasileiro) publicado no livro “Pedras de Calcutá” (pdf Aqui), no ano 1977. O roteiro é de Marcela Macedo e a produção é da Cavideo (2013). Na película, procurou-se evidenciar o limite entre sanidade e loucura na costura metaforicamente pespontada dos personagens protagonistas, utilizando uma linguagem poético-imagética sutil, como vôo de borboletas. De forma anacrônica tomamos conhecimento dos personagens e sua vida rotineira até a perturbadora passagem da sanidade para insanidade, nos pequenos gestos e imagens da narrativa sem diálogos, mas bem representada pelos atores Juliana Terra e Rafael Primot.
Neste mix de comportamento compulsivo compartilhado, está implícita a sensação de trasbordamento pessoal que pode levar a atitudes extremas bem como a momentos de total incapacidade de convivência. Todos são produto do meio em que vivem, diariamente analisados pelos outros em cada direção que escolhem.
Não é permitido trilhar caminhos além do limite previsível sem o julgamento contumaz de terceiros. Na medida que o alheamento se torna irrefutável, o encaminhamento ao “local adequado” é providenciado. Mas o curioso é partilhar do mesmo delírio, sob o mesmo aspecto. As borboletas personificam o desvario sufocado dentro de cada um e a paz recém adquirida toma forma pela libertação do pequenos seres é a resposta objetiva ao argumento final de “História de Borboletas”. Uma vez transbordado, só resta o desaguar até restaurar o equilíbrio.
https://vimeo.com/105656500
5 Comentários para "História de Borboletas"
Olá Chris:
Sou Marcelo, diretor do curta.
Adorei a crítica e agradeço.
O filme está no Vimeo, caso alguém queira ver:
https://vimeo.com/49124358
Grande abraço e parabéns pelo texto preciso.
Olá Marcelo, seu curta será exibido esta semana no site! 😉
Olá Marcelo, tudo bem? Obrigado pelo comentário! E muito obrigado por ter realizado o curta! Tanto que o site exibirá o curta durante esta semana! Divulgue! Abraços 😉
Apesar de o original ser entre o André e seu alterego, ou um outro rapaz com o delírio do duplo “doppelganger”, achei excelente o curta, que desconhecia e descobri ao acaso, enquanto procurava um trecho para enviar a um colega. Uma história de borboletas foi o primeiro conto do Caio que li (coincidência pura, tenho dois sobrinhos, um chamado Caio e outro Fernando), e que me fez ler todas as obras dele depois e ir a sebos para conseguir exemplares autografados. Aliás, devido a ele e a tudo o que derivou do conto, tornei-me psiquiatra, para não lidar com as coisas do modo como ocorreu com ele. E, agora, com o filme Carta para Além dos Muros (outra coincidência, não sou de Sâo Paulo, mas hoje estive lá e conheci o cemitério dos Araçás, além dos muros, quando o Caio estava com complicações da aids e observava o que lhe aguardava), tornei-me ativista para oferecer PREP, PEP e TARV para evitar a soroconversão ou tratá-la da melhor maneira possível, com a tecnologia farmacológica que não havia à época. Uma última coincidência: sou professor de psiquiatria na Unicamp, não participo do vestibular, mas soube que algum livro do Caio entrará para a lista obrigatória do vestivular, se não me engano, de 2026. Voltanto ao curta, novamente fico sem palavras, exceto parabéns!!!! /ps: gostaria de ter mais contato com vocês, agora que “André enlouqueceu completamente ontem à tarde”
Aliás, perdão pela falha psicopatológica (embora eu não intente patologizar a situação), mas não se trata de Doppelganger, e sim de Folie á Deux. Lindo demais!