Hidden Away
Quando Alguém Resolve Não Desistir…
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Berlim 2020.
Se analisarmos a carreira cinematográfica do realizador italiano, então descobriremos no IMDB que há quatorze créditos, com cinco documentários e seis longas-metragens, incluindo dois para televisão e curtas-metragens. Sua mais recente ficção, “Volevo Nascondermi (Hidden Away)” busca integrar os dois mundos com poesia neo-realista, traduzida com uma fotografia nostálgica e atemporal. Integrante da competição ao Urso de Ouro, segundo filme exibido até agora, já se firma como um dos favoritos ao prêmio de Melhor Ator para Elio Germano, que encarna, com entrega total, a odisseia existencial do artista Antonio Ligabue “Laccabue”, um dos maiores pintores no gênero naif, que viveu de 1899 até 1965. Como foi dito neste parágrafo, é um filme de ator.
“Volevo Nascondermi (Hidden Away)” é uma jornada metafórica, sintomática e metafísica de um homem que nunca desistiu de lutar por sua vida e nunca perdeu a energia vital, ainda que todo o mundo estivesse contra e o descartasse. Nosso protagonista amadureceu no sofrimento. Buscou refúgio no primitivo da natureza. Tornou-se o selvagem animal que todos esperavam dele. E, inevitavelmente, adquiriu uma proteção capa que potencializou ao extremo sua incompatibilidade social. E ainda assim, transformou toda sua invisibilidade (de sempre ver por frechas) em um potente futuro.
A narrativa não busca ser palatável, conduzindo o espectador por uma fragmentada atmosfera não-literal (de sonho etéreo, de epifania solitária e de sensação de se estar fora do próprio corpo), de visceral organicidade barroca e pela digressão das lembranças, que fornece causa e efeito, nos mostrando que Antonio perdeu a base estrutural de quem deveria ajudar: professores, pais, vizinhos, crianças e médicos. O filme mais parece ser um cruel conto-de-fadas à moda dos Irmãos Grimm, com importações italianas de “Dogman”, de Matteo Garrone, com o elemento físico de Pier Paolo Pasolini, passando por “A Comilança”, de Marco Ferreri. Tudo por procurar os afeto nos sentidos, especialmente o olfativo.
Antonio Ligabue era um estrangeiro em qualquer lugar que adentrasse. Não encontrava pertencimento na Suíça, Chiasso, tampouco na Itália, talvez porque os “italianos são esquentadinhos”. Nasceu com raiva e demorou toda uma vida para conseguir diminuir as consequências. No início do século não havia gradações de “loucura”. Qualquer diferença e excentricidade era considerada “deficiência mental”. Talvez tivesse os sintomas de hiperatividade. “Volevo Nascondermi (Hidden Away)” faz com que o público sinta o que ele sente e olhe o que ele olha. Isso talvez possa embasar e “perdoar” o roteiro por excessos, como a cena do bar em que criam bullying sem motivos aparentes. “Deixe-me sozinho”, grita. Sim, neste momento, nosso personagem resolveu viver a plenitude do só. De si mesmo, para impedir que a sociedade o enlouquecesse mais e nunca aceitar críticas, porque é nas palavras do diretor, nosso artista é um “homem ainda no corpo de uma criança”. Que nunca teve a chance de cresceu. Um Peter-Pan marginal, um “monstro” assistido de longe. Pois é, acostumar-se com a desistência faz com que a mudança em aceitar a humanidade e a solidariedade dos outros leve mais tempo.
Nós entendemos ao longo do filme que é um projeto importante a seu diretor, e que abrir mão de cenas está fora de questão, esquecendo que o menos é sempre mais, como os instantes de pinturas eróticas para “prazer” dos outros e/ou especialmente a cena da barata (sem sentido algum). Mas podemos relevar pela potência irretocável de seu ator que não mede esforços para não apenas interpretar, mas ser completo na essência da existência de processo de entender a arte do sentir do ser-humano. Atrapalha os mortos, é internado, leva choques, mas não perde a perspicácia de identificar os “homens bons e os ruins por causa dos cães” e de pintar “possuído” a fim de criar um “paradoxo” e uma “reflexão das coisas e dos conflitos”. Sim, é um hostil mundo cão vencido com orgulho de vencer todas as adversidades com “singularidade” e “Deus, que parece não gostar” dele.
“Volevo Nascondermi (Hidden Away)” integra o clássico e o moderno, como a quebra da quarta parede (o ator olha diretamente à câmera), a música moderna de La Tarma com Beethoven. Mas a maioria dos filmes apresentam um grande problema: ao prolongar a história, perde-se o contexto, precisando assim de gatilhos comuns, repetições e apelações sentimentais. “Quando você morre, morre”, diz. Então, como já foi dito, a maestria absoluta da obra é a interpretação de seu ator, complementada por uma fotografia que capta o verdadeiro instante de uma ficcional vida real.