Final Feliz
Nunca é tarde para recomeçar
Por Vinicius Machado
Durante a Mostra São Paulo 2019
Imagine-se na faixa dos 65 anos de idade, seu cônjuge, depois de anos de trabalho, se aposenta. O plano agora é tentar compensar esses anos todos ficando cada vez mais juntos, correto? Não para Peter (Kurt Havn), que decide investir num novo negócio e partir para uma vida de solteiro, para a surpresa de sua esposa, Helle (Birthe Neumann). Essa é a história de “Final Feliz”, filme dirigido por Hella Joof.
Embora filmes de envelhecimento têm se tornado comuns na indústria, pouco se aborda a sexualidade da forma em que essa pequena comédia dinamarquesa o faz. Joof usa um tom parecido ao de uma sitcom para criar conflitos e explorar uma temática considerada tabu por muitos. Aqui, ela não poupa seu espectador de cenas de sexo heterossexual, homossexual, a três, masturbações mútuas e vaselina nas mãos. Tudo acontece com naturalidade. Apesar de se passar num local conhecidamente frio, as relações são extremamente ardentes.
Joof também abusa de planos fechados e close nas partes do corpo, principalmente de Helle. Barrica, seios, pés, costas, tudo com muito detalhe e texturas reais. A forma como a sociedade trata a terceira idade feminina é muito mais complexa. Enquanto ela se preocupa com corpo e com a própria carência, Peter usa seu poder aquisitivo, seu carro e suas roupas caras para chamar atenção. Não há preocupações sobre julgamentos de terceiros no lado masculino, vide a forma como sua nova namorada é retratada em tela. É comum acreditar que mulheres idosas solteiras permaneçam solteiras por diversos fatores. Final Feliz aparece justamente para quebrar esse conceito.
E uma das principais discussões do filme partem de dentro pra fora de seus personagens. Helle, a esposa de coração partido, acredita ser muito velha para recomeçar uma vida e deixa isso claro a cada minuto que passa. Se a trama lhe oferece uma situação inesperada, ela responde de prontidão com a desculpa de sua idade. Ao longo da narrativa, essas amarras vão se soltando e o público acompanha a quebra de paradigmas, ao mesmo tempo em que ri das situações em que Peter, nessa ideia de voltar à jovialidade, se mete, desde morar na casa da filha até participar de um site de relacionamento para idosos.
Ao redor do casal há um grupo de amigos inseparáveis que discutem sobre o que fizeram e deixaram de fazer durante seus anos. Arrependimentos, orgulhos, problemas e por que não, futuro, estão nas rodas de conversa entre uma ou outra taça de vinho. Afinal, se trata, também, de famílias ricas, de patrimônios exorbitantes que agora colhem frutos de uma vida agitada e dedicada ao trabalho. Um contraste à vida da filha do casal, interpretada por Rikke Bilde. Ela não possui riquezas e vive numa casa comum de classe média, além de ter que lidar com o trabalho, duas crianças, o marido e, agora, a hospedagem do pai.
As situações hilárias vão se desenrolando e pelo caminho diversas surpresas vão surgindo até chegar no seu momento crucial que dá entrada ao terceiro ato. A sequência de um suposto ménage a trois é o ponto mais alto da comédia de tão esquisita que é a situação. Mas o longa também se apoia no drama e nas questões de idade de seus personagens. O roteiro, escrito por Meete Heeno, sabe o timing certo de realizar cada uma das situações.
A trilha sonora, composta por músicas pop em inglês também são determinantes para as contrução das cenas, principalmente as hilárias, como Pata Pata, de Miriam Makeba e Banana Boat Song, de Harry Belafonte. Aliada à própria trilha do filme, composta por Flemming Nordkrog. A fotografia, muitas vezes baseada na luz natural e cores saturadas dão o contraste de um verão europeu numa região fria. É um filme muito claro, que se passa em sua maioria durante o dia.
Ao apresentar um desfecho inesperado e um tanto quanto agridoce, “Final Feliz” é uma ótima comédia romântica que ao mesmo tempo em que diverte os mais jovens, deixa aos mais velhos a lição de que nunca é tarde para seguir a vida e seus desejos. Que ninguém precisa compartilhar seus próprios sonhos além de si mesmo. Estar sozinho e enfrentar o fim de relacionamento nunca é fácil, mas aqui está a maior prova de que, mesmo num lugar constantemente frio, é possível que o sol apareça para todos em algum momento.