Mostra Um Curta Por Dia - Repescagem 2025 - Dezembro

Eternidade

Um filme para sempre

Por Fabricio Duque

Festival de Toronto 2025

Eternidade

Talvez o sucesso de um filme esteja mesmo em sua forma mais despretensiosa. Em deixar a narrativa fluir sem pensar exclusivamente na audiência e sem o querer arrogante do sempre acertar. Há filmes que usam a idiossincrasia coloquial popular. Nesses não há nenhum performativismo, nenhuma tentativa de construção “engajada” do ser enquanto no estar social. E assim, essas obras conseguem chegar à comédia, mais dramática e naturalmente constrangedora, assim como a vida. Um desses exemplos é “Eternidade”, longa-metragem cômico-celestial que traz a ideia não só de vida após a morte, mas principalmente qual o nosso desejo possível de eternidade, com total livre arbítrio, sem julgamentos e sem cancelamentos pelas escolhas mais contraditórias, polêmicas, “proibidas” e antiéticas. Talvez este filme pode se resumir em uma frase. “Almejamos a eternidade, isto é, o presente absoluto”, escreveu JP Cuenca, no livro “A Última Madrugada”, citando Ernesto Sábato.

Dirigido por David Freyne, em seu terceiro longa-metragem, “Eternidade” é um filme de teorias. Uma mórbida comédia-ficção-científica, de realismo fantasioso, que, por trás de uma trama de gênero romance (a alma gêmea, por exemplo), busca mesmo fazer um estudo existencialista sobre nossos comportamentos humanos. A narrativa constrói-se numa jornada do desconforto social, da vergonha alheia e de situações embaraçosas, causando no público a diversão do “humor não posso rir disso”. Entre cenas-situações de empatias e pseudo-realidades, de acasos dominantes, de tensões e alívios, de personagens inadequados, este longa-metragem nos conduz ao absurdo verdade, em que tudo ali pode ser exequível e praticável, num que referencial, por exemplo, ao seriado “Upload” e/ou a uma versão bem menos maldosa que “The Good Place” e/ou ao fofo nostálgico “O Céu Pode Esperar” (1989), com Robert Downey Jr. e/ou ao mais recente “Quando o Céu se Engana” e/ou a tantos outros que buscavam desmistificar e ressignificar o conceito de céu. Talvez a eternidade seja mesmo o presente absoluto que vivemos agora, com todos os seus perrengues e com mil possibilidades. Sim, tudo aqui bem que poderia ser um esquete do “Porta dos Fundos”, estendida e sem pressa para fazer as piadas certas em timing precisos.

A grande sacada de “Eternidade”, exibido no Festival de Toronto 2025, que tem uma premissa muito original (talvez por ser um “produto” da A24) não está no querer de só oferecer entretenimento. Há camadas e camadas psico-filosóficas, ainda que abordadas pelo popular emocional menos aprofundadas. Neste, o limbo é uma espera, uma grande sala de embarque para escolher o lugar que se viverá para sempre. Sim, muita pressão. Confesso. Talvez por ter sido criado e dirigido por um irlandês, talvez por ter sido protagonizado por dois norte-americanos Miles Teller e Elizabeth Olsen, que precisam do imediatismo da opção mais urgente e confortável, e por um britânico Callum Turner. E se fosse no Brasil? Seria a mesma coisa?

O longa-metragem não teme a bad trip. Não busca tão somente a felicidade incondicional e tóxica, ainda que o final contemple o amor-alegria mais Disney. “Eternidade” cria toda uma metáfora científica dos relacionamentos que cultivamos, dos destinos não predeterminados e da duração dos tempos em si e argumenta que que o amor é uma escolha contínua e um compromisso diário, mesmo após a morte, gerando dilemas do amor da vida inteira e da paixão interrompida. O que realmente importa para nossa protagonista Joan: o ideal romântico congelado no tempo ou a realidade da própria felicidade. O filme quer pulular questões: memórias e personalidades retidas da transitoriedade da vida (a efemeridade terrena). Assim, essa “eternidade” não é um estado passivo; é uma realidade a ser ativamente vivida e moldada, o que reposiciona o tempo como uma dimensão valiosa da existência. E com quem realmente queremos compartilhá-la.

“Eternidade” é também sobre um triângulo amoroso. Sobre a moralidade humana de ter que escolher entre amores. Talvez a mensagem do filme seja mesmo a de uma meditação auto-ajuda, quase como um guru coach, que encontra significado na conexão autêntica dos outros, em explorar possibilidades, vivências e rotinas, sem ideais abstratos. Talvez a melhor eternidade seja estar confortável com uma pessoa, sem projeções e “se”.

E quem disse que o Universo-Pré-Céu não é também impaciente e um tanto quanto tradicional. Imagine! Joan tem uma semana para fazer uma escolha que determinará sua realidade eterna, o que sublinha o peso da responsabilidade individual sobre nosso próprio destino. Mas “Eternidade” nos “ensina” e “sugere” que “não há resposta errada, mas algumas são bem ruins”, enfatizando o caráter subjetivo e, às vezes, arriscado, das decisões humanas. É, pois é, trocando em miúdos: lá e cá, tudo a mesma coisa. Então bora começar agora nossa jornada de escolher o mais “certo”.

4 Nota do Crítico 5 1

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