Estilo de Videoclipe, Estória de Cinema
Por Michel Araújo
A linguagem influencia a narrativa de um filme tanto quanto esta é influente sobre aquela. Por vezes, entretanto, o estilo de um filme não reconfigura de fato sua forma substancialmente, e o modelo clássico narrativo tende a permanecer ainda intacto. Se a fotografia, trilha sonora e atuação – aspectos aos quais o público em geral costuma se atentar – tendem para uma hiper estilização, é possível se enganar ao acreditar que o filme conta uma estória nova, ou mesmo que a conta de maneira muito diferente. Apesar de um estilo gritante em relação aos aspectos anteriormente citados, uma razoável maioria dos filmes ainda vai manter a linearidade, continuidade, arcos e encadeamentos dramáticos tipicamente organizados de forma a transparecer com clareza a estória, respeitando a narrativa clássica.
Em “Espírito Jovem” (2018), a protagonista Violet Valenski (Elle Fanning) é uma jovem socialmente reclusa aspirante a cantora que visa sair de sua pequena cidade europeia e ir para debaixo dos holofotes do mundo da música. Sua mãe, Marla (Agnieszka Grochowska), é uma garçonete e dona de casa solteira resignada e rigorosa, que num primeiro momento não aparenta estar aberta às escolhas de sua filha. Em uma de suas noites cantando num karaokê para uma plateia quase inteiramente composta de indigentes, Violet conhece Vlad (Zlatko Burić), um ex cantor de ópera – e agora alcoólatra – que elogia sua habilidade vocal e a oferece carona para casa. Receosa de se aproximar dele num primeiro momento, a jovem acaba tendo que forjar uma relação pois precisa de um responsável maior de idade para acompanhá-la na inscrição do concurso de canto Teen Spirit (título original do filme). Vlad aceita a proposta de acompanhá-la com a condição de atuar como seu empresário e receber uma parcela do que ela ganhar caso vire um sucesso. Está estabelecida aí a premissa das relações centrais do filme.
Na sua trajetória em busca do sucesso, Violet terá diversos momentos de performance musical os quais serão estilizados no feitio de um videoclipe de música pop. As músicas apesar de complementarem o emocional vago da personagem – cuja interpretação é pela maior parte do tempo introspectiva – são menos um suporte para a narrativa do que uma pausa para um espetáculo. Há uma estrutura meio episódica na estória – como de habitual em musicais -, que nesse caso parece saltar de um videoclipe para o outro com uma certa contextualização nos ínterins. Se enxugados os atrativos estilísticos, tais como a fotografia que varia entre os tons pastéis numa cena externa de um pôr do Sol e fortes luzes neon numa sequência musical ou a trilha sonora produzida nos moldes de um autêntico hit de música pop, a estória em si não comove tanto e não apresenta uma construção muito além do ordinário.
Todos os conflitos são resolvidos ao longo da história sem grande empecilho, o que enfraquece a potência dramática do roteiro. Por exemplo, quando Violet perde uma das etapas preliminares para participar do concurso Teen Spirit, pouco depois ela descobre que houve um engano dos juízes pois a participante que havia de fato ganhado estava trapaceando pois ela já havia ganhado outro concurso anteriormente, e não poderia estar participando desse. E assim se comportam todas as possíveis pedras no caminho da protagonista, calmamente se retirando após terem gerado o mínimo suspense necessário para impulsionar a narrativa. Todo o conflito e o grande peso da estória parece estar localizado fora daquilo que o filme nos mostra.
Os personagens centrais – Violet, sua mãe e Vlad – todos claramente possuem um passado amargurado o qual não é aprofundado ou bem situado, mas apenas estabelecido para que justifique o comportamento dos personagens e fomente a empatia por eles. A questão, entretanto, é: pelo que deveríamos sentir empatia exatamente? O drama que o filme escolheu de fato recortar das vidas desses personagens e nos mostrar não tem o peso ao qual ele aspira ter, mas parece depender meramente do fato de que as pessoas vivendo ele já iniciaram essa jornada quebradas e traumatizadas. Uma vez, contudo, que a jornada se inicia, é quase tudo resolução e boas chances. O acaso sorri repentinamente para eles, e permite que eles sejam felizes novamente. Tão arbitrário quanto a personalidade fragilizada desses personagens é sua restauração e reconciliação entre si e consigo mesmos.