Entrevistamos Caco Ciocler na Mostra São Paulo 2019
“Temos que ser radical com as nossas escolhas”, disse o diretor Caco Ciocler sobre seu filme “Partida”
Por Vinícius Machado
No último sábado (19), o novo filme de Caco Ciocler, “Partida”, teve sua primeira exibição na 43ª Mostra Internacional de São Paulo. As eleições de 2018 foram marcadas por uma tensão e um embate acalorado de oposições. Depois da eleição de Jair Bolsonaro, Georgette Fadel decide entrar na disputa pela presidência em 2022. Para se inspirar, ela resolve visitar o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica com uma trupe de cinema, incluindo Léo, empresário, e uma improvável companhia.
A ideia surgiu do próprio Caco, que havia ouvido a história de que Pepe Mujica recebia pessoas em sua residência no Uruguai. “Eu estava fazendo uma peça com a Georgette, e ela disse no camarim que a maneira dela de resistir era se candidatar à presidência. Depois eu a convidei para o projeto, só nós dois, ela dirigindo e eu filmando. Mas eu pensei que seria melhor ter mais uma câmera, porque dava pra eu interagir”, afirma, dizendo que os convites foram surgindo até eles fecharem um ônibus. “É um filme de sins, uma sequência de sins. Eu tive uma enorme satisfação de ter ido adiante com a ideia, que era tão maluca e fácil de desistir. Então quando eu vejo o filme pronto hoje, eu acho um verdadeiro milagre. Pra mim mudou isso, faça. Toda arte é uma conjunção de sim”.
A viagem durou seis dias, sem a certeza de que o ex-presidente uruguaio iria recebê-los. Ao fim de tudo, foram mais de cinquenta horas de material bruto e quase oito meses na ilha de edição. “Eu aprendi muito, porque não tínhamos um roteiro, então aprendi muito na ilha de montagem, como se conta uma história a partir de um material tão solto. Mostrei pra algumas pessoas, ouvi críticas então você também desestrutura aquilo que você acredita pro filme. Então aprendi muito sobre o processo de montagem, sobre roteiro”, diz Caco, numa entrevista exclusiva ao Vertentes do Cinema.
Aprendizado político
“Partida” é, definitivamente, um filme político, e deve atrair um público mais engajado nas discussões a respeito da situação do país. E é exatamente isso que o diretor procura. “Eu gostaria que o espectador não visse o filme de uma maneira passiva, porque corre-se o risco de se ter uma leitura muito rasa do filme. Eu acho que tem símbolos no filme muito potentes. Então eu temo que as pessoas vejam de uma maneira muito passiva e não percebam as nuances”.
Quanto ao seu aprendizado durante a viagem, no meio de tantas discussões, Caco acredita ter compreendido que justamente essas pessoas mais radicais são as que podem mudar o mundo. “O que estamos vivendo é um embate de forças muito poderosas. O mundo é muito mais Star Wars do que imaginava, e a gente tem que se posicionar, não só politicamente, mas na vida, para as possibilidades, para a construção da nossa própria existência. Temos que ser radical com as nossas escolhas”.
Georgette Fadel também diz ter aprendido muito durante essa jornada. “Cada vez que eu assisto, eu me acho bem problemática, não exatamente no discurso, mas nos detalhes, em omissões de assuntos, por exemplo”. Quando perguntada sobre como o filme seria feito hoje, dez meses após a posse do novo presidente, a atriz foi direta. “Acredito que muita coisa viria à tona, diante das violências sofridas, diante dos direitos assassinados, como a censura e outras coisas”, conclui.
Em relação à produção, Caco afirma ter dado liberdade total ao elenco e que tudo foi realizado de maneira orgânica, mas que em alguns momentos precisava interferir em prol da narrativa. “Uma das discussões, por exemplo, ela começou e as câmeras não estavam prontas. Tive que segurar, câmera, som, microfone, valendo. Tudo foi muito espontâneo, mas não adiantava nada se as câmeras não estivessem filmando.”
Por fim, o ator e diretor se mostrou muito empolgado com o projeto concluído, e atribui isso à toda a sua equipe. “Foi uma prova de que utopias existem, que a gente tem que fazer. É a diferença entre o sim e o não. Aprendi que existem pessoas tão malucas quanto eu, que embarcam. Então fiquei muito feliz que o mundo ainda contempla esse tipo de possibilidade. Porque as pessoas precisam correr atrás do seu sustento e retiram um tempo pra realizar projetos em que acreditam”, conclui.
Partida está em cartaz pela Mostra de SP e terá exibições nos dias 20 e 23 de outubro. Para mais informações, acesse o site da Mostra.