Entrevista com Maria Abdalla
Conversamos com a idealizadora e diretora geral do Goiânia Mostra Curtas
Por Clarissa Kuschnir
A idealizadora e diretora geral do Goiânia Mostra Curtas, Maria Abdalla, criou o festival de cinema mais conhecido no estado de Goiás, há um pouco mais de duas décadas. Este ano, o festival teve como tema “Narrar Para Não Esquecer” que, segundo Abdalla em seu texto para o catálogo do festival, o cinema é também um modo de lembrar, narrar o que foi, o que é e o que pode vir a ser. E ainda complementa que esta edição se organiza em torno de palavras que nos atravessam profundamente: política, memória, arquivo, imagem, narrativa e resistência. Entre a correria de uma sessão ou outra, o encontro e as conversas nos corredores com os realizadores, conseguimos essa entrevista com Abdalla que falou um pouco sobre o festival.
CLARISSA KUSCHNIR – O Goiânia Mostra Curtas está completando 23 edições. Me conte um pouco sobre a trajetória do festival e como é chegar hoje, como um dos festivais mais importantes do formato no Brasil fora do eixo?
MARIA ABDALLA – Chegar à 23ª edição é uma mistura de emoção e resistência. A Goiânia Mostra Curtas nasceu em 2001, em um cenário em que quase não havia festivais de cinema em Goiás e no Brasil, e se tornou, ao longo dos anos, uma das principais janelas de exibição de curtas-metragens no país. É um espaço que acompanha as transformações do audiovisual brasileiro, fortalecendo o curta como linguagem e como gesto político de afirmação de identidades e memórias. O festival tem raízes profundas no Centro-Oeste, mas sempre dialogou com o Brasil inteiro, revelando novos realizadores e mantendo viva a ideia de que o cinema é uma experiência coletiva e transformadora.
CK – Essa é a primeira vez que eu venho ao festival e confesso que me surpreendi com a seleção excelente de curtas-metragens. Como você enxerga hoje o cenário dos curtas-metragens nacionais?
MARIA ABDALLA – O curta-metragem brasileiro vive um momento de grande vitalidade. É nele que as experimentações acontecem com mais liberdade e onde se percebe, de forma mais direta, a pulsação do tempo presente. As novas gerações têm ampliado o repertório estético e político das narrativas, com obras que partem de territórios diversos e de perspectivas múltiplas. Há uma urgência criativa, uma vontade de olhar o país com profundidade e de reinventar o modo como contamos nossas histórias.
CK – E você ficou satisfeita com o resultado desta 23ª edição do festival? O que mudaria para as outras edições?
MARIA ABDALLA – Fiquei profundamente feliz com o resultado. As mostras tiveram grande acolhimento do público e dos realizadores, o que confirma o acerto das curadorias e a força dos filmes que reunimos. O festival se manteve fiel à sua vocação de encontro, troca e formação. Quanto ao que mudaria, sempre há espaço para aprimorar. Gostaria de ampliar ainda mais a circulação dos filmes após o festival. Já realizamos a Curta Mostra Cinema nos Bairros, mas o desejo é chegar mais longe, fazendo com que essas obras alcancem novos públicos. Também penso em aprofundar o diálogo com escolas e comunidades que raramente têm acesso direto ao cinema contemporâneo. A roda de conversa sobre cinema e educação, realizada nesta edição, já aponta caminhos para esse movimento.
CK – Eu vi que durante o festival você está sempre muito próxima aos realizadores e muitas vezes não vemos isso em outros festivais. Como é para você essa troca com eles?
MARIA ABDALLA – Essa proximidade é essencial. O festival existe por causa dos realizadores e para eles. Estar junto, conversar sobre os filmes, acompanhar as reações do público, tudo isso é parte do que dá sentido à mostra. É nesse diálogo que o festival se renova, que se criam redes de afeto e colaboração que ultrapassam os dias de programação. Gosto de pensar que a Goiânia Mostra Curtas é também um espaço de escuta, de acolhimento e de aprendizado mútuo.
CK – Para muitas pessoas o curta é apenas uma porta de entrada para o longa. Porém acho uma forma equivocada de pensamento, muito também pela falta de distribuição e de espaço para o formato. Como você enxerga isso?
Concordo completamente. O curta-metragem tem uma potência própria, que não depende do longa. Ele é um formato autônomo, capaz de condensar experiências, propor rupturas e mobilizar o olhar do espectador de maneiras únicas. O problema está na falta de espaços de exibição e circulação, que ainda limitam o acesso do público a essas obras. Mas festivais como o nosso cumprem um papel fundamental ao garantir visibilidade e reconhecimento a esse formato, reafirmando sua importância artística e cultural.
CK – O que deixaria de recado para essa nova geração de realizadores na nossa cinematografia?
MARIA ABDALLA – Diria para seguirem acreditando na força do curta e na necessidade de narrar para não esquecer. O cinema nasce da inquietação, da escuta e da coragem de imaginar futuros possíveis. Que cada realizadora e realizador encontre sua voz e siga filmando com verdade, mesmo em tempos difíceis. O país precisa das suas imagens, das suas histórias e da esperança que cada filme carrega.